sábado, 21 de agosto de 2010

CHARLES MINGUS - PITHECANTHROPUS ERECTUS (1956)



Escolhi o album deste mês por razões pessoais... Mingus é meu compositor favorito do pós-bop (com todo respeito a Monk e Gillespie)... e este, por sua vez, é meu disco preferido de Mingus. Além disso, a escolha é oportuna por permitir a abordagem do papel do Baixo no Jazz, instrumento que Mingus retirou do fundo do palco para transformar em protagonista. Além disso, dá ensejo a abordar, ainda que preliminarmente, já que o tema exigirá certamente inúmeros posts por sua profundidade, essa delicada fase pela qual o Jazz passava nas décadas de 50 e 60.

Além destas razões, também me parece prescisa a escolha por permitir ao leitor fazer uma comparação entre o estilo de composição dos clássicos e modernistas, já que unindo em uma ponta Duke Ellington, e em outra Mingus, Dizzy Gillespie e Thelonious Monk (dos quais também falarei em breve) estamos diante dos maiores compositores do Jazz Pré e Pós-Bop, respectivamente.

Mingus é de certa forma um elo entre as duas gerações do Jazz, sendo possível ouvir em sua música ecos de Duke Ellington, bem como prenúncios dos tempos futuros de Ornette Coleman; um link entre a música orquestrada e dos pequenos conjuntos bepbopers; a união perfeita do romântico e do moderno; enfim, um músico que soube como ninguém conciliar as contradições existentes a seu redor.

Mas antes de falar de Mingus com minhas próprias palavras, trago à tona as palavras do próprio artista, registradas em sua instigante autobiografia... A quem se interessar, desde já indico o livro do músico intitulado em inglês "Beneath the Underdog", por aqui traduzido pela editora Jorge Zahar Editor sob o título "Saindo da Sarjeta", e pela editora Assirio e Alvim como "Abaixo de Cão"... (Embora não conheça a versão da Assirio e Alvim, particularmente indicaria o original a quem puder ler em inglês, já que não fiquei totalmente satisfeito com a tradução dada ao texto pela Jorge Zahar).

O livro inicia-se de forma surpreendente, introduzindo um aspecto no mínimo curioso que é explorado em toda obra. No primeiro parágrafo, faz o músico a seguinte revelação, ou auto-descrição, que por si só demonstra a complexidade de sua mente e pontos de vista:

"Em outras palavras, eu sou três. Um homem fica sempre no meio, despreocupado, sem se emocionar, observando, esperando que lhe permitam expressar o que ele vê para os outros dois. O segundo homem é como um animal assutado que ataca por medo de seratacada. E, então, há uma pessoa gentil e superamorosa que acolhe as pessoas no templo mais sagrado do seu ser, aceita insultos, confia, assina contratos sem ler, cai na conversa dos outros e acaba trabalhando barato ou de graça, e quando percebe o que lhe fizeram tem vontade de matar e destruir tudo ao seu redor, inclusive a si mesma por ter sido tão estúpida. Mas não consegue, e volta para dentro de si mesma."

Este "dilema de uma tripla personalidade" é retomado em toda a autobiografia, criando Mingus cenas no mínimo curiosas, como a que suscede o pequeno epílogo. Trata-se de uma curiosa narração em terceira pessoa de cena onde o músico, ainda criança, teria sofrido um acidente em casa provocando um corte na cabeça. Durante toda a passagem, não se sabe quem é o narrador, que observa a cena a todo tempo chamando Mingus ora de "meu garoto", ora de "o meu baby", "Ming", "Charlie"... Na sequência, levado ao hospital, após uma angustiante descrição dos procedimentos médicos, assim a cena é concluída pelo narrador:  "Mesmo com tanta fé nesse cara chamado Deus, Baby não reagia. Decidi voltar pra dentro dele e assumir até que ele pudesse se recompor. Ninguém pareceu notar quando subi na mesa branca onde Baby estava deitado e me materializei dentro do grande buraco sobre seu olho esquerdo. Só para consolar todo mundo, respirei fundo e exalei, e Baby soltou seu primeiro grito desde o começo daquela manhã, quando Grace fizera cócegas no seu estômago até doer. O doutor colheu os louros e o crédito: '- Não se preocupem, em uma semana ou um pouco mais ele vai estar novo em folha. perdeu muito sangue e vamos precisar de raios X, é claro, pode haver uma fratura ou concussão. Voltem amanhã de manhã'. Comecei a sair de novo quando a família saiu, mas Baby me reteve e se agarrou à vida, por isso fiquei com ele e tenho etado com ele desde então".

O mistério sobre a passagem só chega ao fim em momento já avançado do livro, quando é possível descobrir que na verdade o narrador desta pequena passagem é o próprio Mingus...

Bom... mas não resolvi citar por acaso este trecho da biografia do compositor, assim como o breve trecho do epílogo em que o mesmo descreve sua "tripla personalidade". Ouvindo já a primeira faixa de Pithecanthropus Erectose poderá o leitor perceber que a multiplicidade de personalidades descrita pelo músico fica, evidentemente, refletida também em suas composições. É esta complexidade e sofisticação do pensamento musical de Mingus que permitem uma alternância de sentimentos em suas canções, muitas vezes nos fazendo acreditar que uma mesma obra não foi inteiramente escrita por uma só pessoa, tamanha a amplitude dos movimentos sofridos pelas composições, combinando trechos de mais pura harmonia e consonância com passagens absolutamente caóticas e exploxivas, embora sempre cuidadosamente arquitetadas.

E assim prossegue toda sua biografia... com três narradores aparentes, distantes uns dos demais, às vezes com idéias muito distintas, embora sejam sempre o mesmo Charles Mingus... Bom, e já que toquei no livro, faço um alerta para aqueles buscam no mesmo uma descrição da vida musical do artista (como eu o fiz), sendo certo que não o vão encontrar, prendendo-se a narrativa muito mais aos aspectos da vida pessoal do escritor.

Enquanto instrumentista, desde cedo teve Mingus seu talento reconhecido, vindo a tocar com os mais importantes nomes da história do Jazz: de Louis Armstrong e Duke Ellington a Charlie Parker e Dizzy Gillespie, passando por Bud Powell, Max Roach, Art Tatum, Stan Getz, etc, sendo, certamente, o mais influente baixista da história do Jazz.

O baixo foi um instrumento que, tardiamente, somente veio a se firmar nas bandas de Jazz a partir dos anos 30, embora já fosse eventualmente usado desde a primeira década do século, desempenhando um papel que antes cabia, em geral, à Tuba, marcando o rítimo, guiando as mudanças de acordes e compondo a harmonia, além de, em certos momentos, assumir o papel de solista. Muitos foram os grandes baixistas na história do Jazz, sendo justo citar aqui os nomes de Ray Brown, Stanley Clarke, Paul Chambers, Ron Carter, e já na fase elétrica Jaco Pastorius, entre outros...

No Jazz o baixo se encontrou no pizzicato, ou seja, o modo dedilhado de tocar, tendo sido deixado de lado o arco, o que acabou se irradiando para toda forma de música popular e culminando na criação do baixo elétrico. Conta a lenda que em 1911 o baixista da célebre Original Creole Jazz Band, Bill Johnson, teria quebrado seu arco, o que o forçou a tocar em pizzicato, extraindo um som que se encaixaria perfeitamente ao estilo percurssivo do início dos tempos, herdado diretamente do ragtime. A partir daí, o Baixo teria  cada vez mais espaço no Jazz.

Além de virtuoso baixista, Mingus demonstrava talento também sentado ao piano, para o qual foi despertado desde jovem enquanto frequentador da casa de um de seus grandes "mentores" musicais, o pianista Art Tatum, o que ampliaria sua visão harmônica e sua habilidade como arranjador, possibilitando a um baixista, fato incomum de se ver no Jazz, receber tamanho destaque enquanto compositor. A afinidade do músico com as teclas o levou, inclusive, a gravar um disco solo como pianista, que recebeu o título auto-explicativo Mingus Plays Piano.

Instrumentista brilhante, compositor da mais refinada criatividade e originalidade, Mingus possuía as características perfeitas para liderar, ao lado de outros progressitas, um dos mais efervescentes movimentos já vistos no Jazz, tão difícil de ser traduzido em palavras quanto o foi, para seus contemporâneos, compreendê-lo.

Impulsionada por um verdadeiro mosáico de conturbados fatos históricos que contribuíam para deixar a música norteamericana igualmente complexa, surgia naqueles anos uma corrente vanguardista que iria propor uma nova linguagem ao Jazz, revolucionando importantes pilares do tradicionalismo, ao mesmo tempo em que acentuando e resgatando aspectos essenciais da música negra dos primeiros anos do New Orleans.

Em resumo, a década de 50 havia sido uma época de convivio de inúmeras tendências e estilos: Bepbop, Pós-bop, revivals de New Orleans e Dixieland, Cool, Modal, os primórdios do Free, além do Rock, o que, reunido, daria origem nos anos 60 a um movimento avant-garde que iria propor, além de novas idéias ao Jazz, uma maior conscientização sobre seu papel. Mingus seria um de seus maiores expoentes, e um dos artistas que de forma mais sóbrea saberia expressar os ideais daquela corrente.

A principal característica do movimento de vanguarda do Jazz, se é que é possível definir um ponto de apoio comum desta tão diversificada corrente, pode ser resumida em sua incessante inventividade e tentativa de expandir os limites do Jazz, muito embora sempre recordando as raízes negras, ficando evidente em Mingus, por exemplo, a base Blues que o artista carregava consigo mesmo nos momentos em que sua música mais se distancia das concepções tradicionais do Jazz. Entre seus grandes expoentes estariam - além do próprio Charles Mingus -, Sun Ra, Cecil Taylor, Archie Shepp, John Coltrane, Ornette Coleman, Don Cherry.

Se por um lado o movimento vanguardista ganhava corpo de forma abstrata, enquanto onda de criatividade que suscedia o trabalho de inovadores dos anos anteriores, como Parker e Gillespie e Monk, quase como um grito de protesto musical que ecoou por todo os Estados Unidos, teria existência concreta em pelo menos uma oportunidade, quando, em 1965, os pianistas Muhal Richard Abrams e Jodie Christian, o baterista Steve McCall e o compositor Phil Cohran resolveram criar, com sede em Chicago, a "Association for the Advancement of creative Musicians (AACM)", uma organização sem fins lucrativos voltada para, conforme assim era descrito em seu instrumento constitutivo, "nurturing, performing, and recording serious, orginal music" ("alimentar, tocar e gravar música séria e original", em uma tradução livre). Em outras palavras, encorajava músicos, compositores e educadores ao comprometimento com a verdadeira "Grande Música Negra".

Desta sociedade, um grupo de artistas ganharia enorme atenção pela seriedade de seu propósito em resgatar, através de inovações, a música negra em sua essência. Integrada por Lester Bowie; Roscoe Mitchell; Joseph Jarman; Famoudou Don Moye; e Anlachi Favors, surgia a Art Ensemble of Chicago. Do grupo, que também terá futuramente espaço no blog, desde já indico o album que serve de trilha sonora para filme francês homônimo, Les Stances a Sophie.

Chamando ao blog a autoridade do mais renomado historiador do século passado, e hábil escritor de Jazz, Eric Hobsbawm, registro aqui citação de sua obra "História Social do Jazz", onde lembra o escritor que o avant-garde teria tido fontes tão diversas que muitas vezes seu elemento comum é menos musical que político, assim ponderando que, "Ao mesmo tempo - e paradoxalmente também - a nova vanguarda que rompeu com a tradição do jazz estava extremamente ansiosa para reforçar as suas ligações com aquela tradição, mesmo com relação a aspectos até então muito pouco notados (...). A reafirmação de tradição era política, mais do que musical. Pois - e esse é o terceiro aspecto do paradoxo - o jazz de vanguarda dos anos 60 era consciente e politicamente negro, como nenhuma outra geração de músico de jazz o tinha sido (...). A conscientização política continuou a manter uma ligação entre o avant-garde e a massa de negros americanos e suas tradições, criando portanto uma possibilidade de retorno à corrente principal do Jazz. A curto prazo, porém, ela deve ter tornado o isolamento dessa vanguarda do público de jazz que não a compreendia especialmente frustrante."

Dentre os aspectos musciais do vanguardismo, vale destacar uma característica que poderá possivelmente ser sentida pelo ouvinte já nas primeiras audições do álbum: a marcante influência européia e da música de outros continentes convivendo lado-a-lado com as raízes norteamericanas, em especial pela difusão do Jazz no velho continente, onda que ganhou força com o advento da Segunda Guerra Mundial, intensificando nas décadas seguintes o intercâmbio cultural que os músicos fatalmente experimentariam com o crescimento das apresentações internacionais, o que levou Hobsbawn, inclusive, a concluir que "Em outras palavras, o jazz se tornou menos americano do que antes".

Mas vamos ao disco, já que entender o vanguardismo no Jazz é missão impossível por meio de textos, senão pela audição de suas obras-primas, da qual o presente disco é referência!

Contextualizando-o, trata-se de gravação de 1956, um ano marcante para o Jazz, em especial também para outro de seus mais célebres compositores, o gênio da música moderna, Thelonious Monk, que na mesma ocasião gravou também uma de suas mais festejadas obras-primas, Brilliant Corners, um marco em sua carreira por lhe conferir o reconhecimento que a crítica até então relutava em dar-lhe. Além disto, é também o ano da já comentada no mês passado memorável apresentação de Duke Ellington no Newport Jazz Festival.

As sessões de gravação da obra contaram com os músicos Jackie McLean, no Saxofone Alto, J. R. Monterose, no Tenor, Mal Waldron, no piano, Willie Jones na bateria, além do próprio Mingus no baixo.

O ponto fraco a ser citado é que infelizmente não conta o álbum, mesmo nos dias de hoje, com uma remasterização à altura de sua importância, tendo baixo volume e pouca nitidez no som... Nada, porém, que comprometa a audição. Nas sessões de gravação ocorridas em Nova York nos estúdios da gravadora Atlantic foram registradas as seguintes quatro faixas, todas de autoria do próprio Mingus, exceto a segunda, "A Foggy Day", de George Gershwin:

1 - Pithecanthropus Erectus;
2 - A Foggy Day;
3 - Profile of Jackie;
4 - Love Chant;

Se o leitor ainda está se perguntando qual a razão do título da obra, o próprio Mingus assim dá uma idéia do que queria expressar  nesta pequena descrição que acompanha o álbum: "Um poema tonal... minha concepção da contrapartida moderna do primeiro homem que ficou de pé - todo o seu orgulho considerando-se o primeiro a abandonar a postura de quatro patas, batendo com os punhos no peito e pegando sua superioridade". O tema, como se vê, é no mínimo curioso, mas nada raro para um artista da originalidade de Mingus. E, de fato, consegue o músico, com fidelidade, transmitir o motivo descrito na contra-capa. As explosões criadas pelos Sax's em crescendo, reforçadas pela entrada de cada instrumento, logo seguidas por novas passagens tranquilas que se contrapõem à selvagem excitação de suas sequências, marca autêntica do artista, refletem a grandeza e poder que o autor parecia tentar descrever. É possível, ainda, identificar na faixa os movimentos descritos por Roberto Muggiati em seu texto "viagem ao mundo de Mingus em 20 albuns", segundo o qual, "A composição basicamente se divide em quatro movimentos: evolução, complexo de superioridade, declínio e destruição". Valeregistrar que Pithecanthropus Erectus é tida hoje como referência dos primeiros anos do modalismo no Jazz, assunto que ficará para posts mais adiantes (http://www.youtube.com/watch?v=TkcHSgfDdkI).

A faixa seguinte "A Foggy Day" (http://www.youtube.com/watch?v=aPlDPnT41P4), como dito acima, é a única não composta pelo próprio Baixista, mas sim, trata-se de composição de George Gershwin para o filme "A Damsel in Distress", com letras de sua esposa, Ira Gershwin. A canção originalmente se chamava "A Foggy Day (In London Town)", tendo sido regravada por inúmeros artistas, de Billie Holliday e Ella Fitzgerald a Sarah Vaughan e Wynton Marsalis, se propondo a citar uma típica cena urbana de Londres. A versão de Mingus, entretanto, homenagea o trânsito de San Francisco, como o próprio músico posteriormente declarou. Mais uma vez, Mingus transmite com realismo a idéia central da canção, sendo possível vivenciar de perto os barulhos do trânsito reproduzido pelos instrumentos, sempre sob a competente levada rítimica sustentada pelo baixo.

Em "Profile of Jackie", bela balada que chama ao centro das atenções o saxofonista alto Jackie McLean, mostra o artista seu lado lírico, ao mesmo tempo em que desfila suas habilidades como instrumentista em uma complexa linha de baixo que preenche em todo o tempo os pouco mais de três minutos da canção.

Por fim o album é concluído com sua mais longa e experimental canção,  "Love Chant" (http://www.youtube.com/watch?v=kWy86zYGCZQ), mais uma incursão pela música modal, imersa no mais autêntico blues!

Nat Hentoff, importante crítico da Downbeat Magazine, assim descrevia o artista: "Charles Mingus tinha o que Gerge Bernard Shaw chamava 'a força vital'. E aquele espírito era forte e insistente demais para ser contido pela mortalidade". E de fato o tinha... O disco ora revisado reflete exatamente a vivacidade do músico, que exprime em suas músicas sentimentos que refletem as grandes contradições humanas que Mingus trazia dentro de si!

Não posso concluir o presente post sem, como de costume, indicar outras obras do artista, em especial, o mais celebrado de seus álbuns, Mingus Ah Um, lançado em 1959 pela Columbia, que certamente também estará presente em ocasião breve neste Blog, já que considerado uma das maiores obras primas de toda a história do Jazz! Além deste, embora pudesse recomendar qualquer outro de sua discografia, deixo aqui sugestões para que o leitor busque os The Black Saint and The Sinner Lady, Blues And Roots, East Coasting e o ao vivo Mingus At The Bohemia, onde se pode ouvir belíssima versão do clássico All The Things You Are.

Até a próxima!
Venâncio

sábado, 3 de abril de 2010

DUKE ELLINGTON - AU TEMPS DU COTTON CLUB-LES GÉNIES DU JAZZ (1966)



Quando o assunto é Jazz, necessário fazer reverência à sua mais alta nobreza. Reis (King Oliver, Nat King Cole..), Condes (Count Basie, Earl Hines..), Barões (Chales "Baron" Mingus - título que o baixista ostentou no início de sua carreira), Ladys (Billie Holiday, apelidada Lady Day por Lester Young, e Ella Fitzgerald, intitulada a "Fist Lady of Song"), dentre outros...

Nesta realeza, entretanto, o mais alto posto pertence ao "Duke", o maior compositor da música norteamericana de todos os tempos. Aliás... era como gostava Ellington de chamar sua música: Música Americana, ao invés simplesmente de Jazz... O mais sofisticado dos compositores e arranjadores americano preferia não ver limitações musicais, e rejeitava a segregação muitas vezes criada pelos próprios artistas negros ao reservarem para si a "paternidade" e a "propriedade" do Jazz ... Em sua visão, era  o Jazz não só a conquista de toda a nação,  mas um verdadeiro retrato dela, com todos os seus contrastes e conflitos. Não por acaso, quando indagado certa vez porque sua música era tão dissonante, respondeu: "dissonante é o estilo de vida americano"!

Ao contrário da biografia de muitos dos músicos americanos de Jazz, Edward Kennedy Ellington nasceu em uma família de classe média da capital federal norte-americana, e ali, em toda sua infância recebeu boa educação e os cuidados de uma família zelosa e protetiva, podendo iniciar, já aos 7 anos de idade, aulas  de piano clássico... Sempre cortês, gentil, bem vestido e educado, não demorou a receber apelido que ressaltasse as características que faziam dele um Gentleman: o "Duke".

Sua formação musical, entretanto, não ficaria restrita ao aprendizado formal musical, passando Ellington, já aos 14 anos, a frequentar escondido salões de bilhar na capital federal, assim como o club Gayety Burlesque Theater, onde teve seus primeiros contatos com a música popular que um dia viria a reinar, e, mais precisamente, onde conheceria o ragtime, que, somado a outras influências, moldariam o som do Duke de forma única.

O ragtime, embora seja um estilo musical, e não um mero rítimo, tem nesse elemento sua característica mais marcante. Sua síncope, ou seja, a inversão de tempos fortes e fracos do compasso, aliada aos cânticos do blues, seriam as bases para o nascimento ao Jazz no início do século, que, por sua vez, evoluiria justamente no sentido de suavisar as fortes e enfáticas marcações rítimicas do ragtime, ainda muito atreladas à batida das marchas, de onde extraiu sua gênese. Daí ter recebido o estilo nome que ressaltasse sobretudo esta característica ritmica: ragged time, que pode ser traduzido como "tempo fragmentado".

Historicamente, suas origens remontam ao final do século XIX, sendo apontado o período de 1896 a 1917 como o de sua maior popularidade, ou seja, coincidindo exatamente com o período áureo do próprio Jazz de New Orleans, que passou a decair nesse ano com o fechamento da zona bohemia de storyville, como comentado no post anterior, o que demonstra de forma clara a influência do ragtime sobre o estilo New Orleans.

Com seu talento incomum, não tardaria Ellington a ganhar espaço e aceitação em Washington, formando em 1917 o conjunto "The Duke's Serenaders", com quem passaria a tocar para importante estirpe da sociedade da capital, apresentando-se em elegantes clubs e mesmo em eventos festivos das Embaixadas ali instaladas.

Apesar da receptividade do público, porém, sentia o músico que algo lhe faltava para tornar autênticas suas composições, não estando satisfeito em tocar o som que a alta sociedade whasingtoniana demandava, o que ficou evidente quando em 1923 teve a oportunidade de assistir ao autêntico Jazz de New Orleans do mestre Sidney Bechet, por ali de passagem. Tamanha inquietação fez Ellington no mesmo ano seguir o mesmo caminho que muitos outros músicos de Jazz trilharam na época, mudando-se para a Big Apple buscando incorporar-se ao que já se intitulava "A Renascença do Harlem", uma reunião de escritores, artistas e intelectuais negros no famoso bairro negro de Nova York, que traziam não só respeito a estes, mas os permitia desenvolver uma identidade própria.

Lá chegando, na companhia de mais dois músicos amigos, o baterista Sonny Greer e o saxofonista Otto Hardwicke, entrou em contato com outro estilo que no caldeirão de suas influências tornar-se-ia marcante em sua personalidade musical: o stride. Evoluído diretamente do ragtime, sendo por muitos considerado inclusive um subestilo daquele, o stride era rápido, dinâmico, recheado de improvisos, exigindo enorme técnica dos músicos, que naquela ocasião se reuniam para duelar nos famosos "concursos de corte" que organizavam. A marcação do tempo permanecia percurssiva, embora já não fosse mais a mesma do ragtime, assim como os acordes no acompanhamento da mão esquerda no piano, que tentavam imitar o movimento walking bass do baixo, com notas isoladas, destacando-se perceptíveis saltos entre suas notas. Ali naquele cenário, passando a viver a plena efervecência artística e intelectual do Harlem, Ellington conheceria a nata dos pianistas stride, entre eles James Price Johnson; Fats Waller, W.C. Handy, além de Willie "The Lion" Smith, seu grande incentivador.

Além dessas, impossível não mencionar também a influência sofrida pelo compositor do som de New Orleans, que nos anos seguintes seria representado na Big Apple por seu mais ilustre porta-voz, Louis Armstrong, que abalaria as bases do Jazz com seus Hot Five e Hot Seven, de quem falei no mês anterior.

Reunindo todas estas influências, Ellington amadureceria suas composições, desenvolvendo um som único, que combinava as raízes do ragtime, seus conhecimentos clássicos, a técnica do stride, e o swing de New Orleans, tudo devidamente equilibrado pela sofisticação de seu pensamento musical.

Com tais características, não tardou a ganhar o Duke espaço em importantes clubs novaiorquinos, dentre eles uma série de apresentações no Hollywood Inn, em um subsolo no coração da Times Square, nesta ocasião integrando o sexteto com os dois amigos de sua cidade natal que levaria o nome de "The Washingtonians". A banda passaria a ter Ellington como lider logo após o antigo bandleader, o banjonista Elmer Snowder, ser expulso do conjunto, acusado de estar trapaceando os demais membros na divisão dos lucros. Em razão de sua liderança evidente, já em 1926 a banda se apresentariaa sob o  nome de Duke Ellingron and His orchestra.

Em 1927 Ellington teria sua grande oportunidade em NY, assumindo no famoso Cotton Club o papel antes ocupado por King Oliver de artista residente, um espaço comandado pelos gangsters que cada vez mais ganhavam força com atividades clandestinas no período da Lei Seca e frequentado especialmente por público branco... Ali Ellington permaneceria até 1931, quando já se tornara um dos maiores artistas negros norteamericanos.

Estamos nos "Tempos do Cotton Club", ou em francês, como no título do disco aqui revisado: "Aux Temps Du Cotton Club"!

Naquele período cunharia seu empresário e promoter Irving Mills a expressão Jungle Music - ou música da selva - para traduzir o som da orquestra, que segundo ele reproduzia sons de animais selvagens, especialmente através dos metais... O título viria a se tornar uma marca do som da orquestra, impulsionando o sucesso da banda de costa à costa nos Estados Unidos.

A orquestra de Ellington foi certamenet a mais bem sucedida da história do Jazz, excursionando por mais de 50 anos, e ainda hoje estando ativa sob a direção do neto de Ellington, o saxofonista Paul Mercer Ellington, tendo inclusive passado pelo Brasil no Jazz Festival Brasil em 2007. Nos anos 30, especialmente, viveria sua big band o furor da chamada Era do Jazz, período de grande euforia que assim ficou conhecido pela exaltação das grandes orquestras, que ganharam o rádio e a televisão, glamourizando, na mesma medida que popularizando o Jazz. Dentre as mais engrandecidas naquela década estariam as orquestras de Benny Goodman, que passou a ser chamado de O Rei do Swing, muito embora tal termo seja usado em diversas acepções, para muitos melhor remetendo aos anos de New Orleans, quando Armstrong deu ao Jazz o swing que ainda não conhecia; a sempre requisitada orquestra de Fletcher Henderson, cujo líder era, em verdade, o compositor de muitos arranjos da orquestra de Benny; além das Big Bands de Count Baise e Duke Ellington.

Durante toda sua carreira Ellington registrou um volume enorme de composições e arranjos, tocando com a nata dos músicos americanos, além de ter vivido as mais criativas parcerias do Jazz, como as sessões que geraram a great reunion com Louis Armstrong, composições originais com Charles Mingus, álbuns com John Coltrane, Dizzy Gillespie, Coleman Hawkins, Max Roach, além de ter contado em sua banda com nomes do calibre de Ben Webster (de 1940 a 1943, e posteriormente de 1948 a 1949); Sidney Bechet (em 1925 e 1932); Jimmy Blanton (1939 a 1941); Billie Holiday (em 1934); Ella Fitzgerald (de 1957a 1966); Paul Gonsalves (de 1950 a 1974); Oscar Pettiford (de 1945 a 1954), Johnny Hodges (de 1925 a 1951, e em seguida de 1955 a 1970); entre tantos outros talentosos músicos... Sua mais importante parceria, todavia, seria feita com o tímido músico Billy Strayhorn (de 1938 a 1967), sua verdadeira alma gêmea musical, que dentre tantas contribuições, apresentaria ao Duke composição própria que viria a se tornar uma das mais famosas, não só daquela orquestra, mas de toda a história do Jazz, o hino: Take The A Train! (http://www.youtube.com/watch?v=nrisYOEpADY&feature=related).

Do longo período de vida da Orquestra, escolhi para comentar aqui no Blog o presente disco que compila as mais célebres gravações daquele período em que a banda se consagrou como residente no Cotton Club, cujas apresentações algumas das vezes eram transmitidas via rádio a todo o país nos mais nobres horários, sedimentando Ellington como o maior bandleader da Era do Jazz. É a fase denominada the formative years do artista, ou seus "anos de formação", que começam em 1924 e vão até 1935, precedendo sua fase da maturidade, que se inicia na metade dos anos 30 e por sua vez teria ápice os anos entre 1940 a 1945, quando a banda teve as importantes participações dos acima citados Ben Webster no Sax Tenor, e do baixista Jimmy Blanton, além das parcerias com Billy Strayhorn. Desse período destaca-se, de 1943, a composição "Black, Brown and Beige", uma de suas mais conhecidas, que retrata a história da América negra.

Na sequência, entra Ellington em sua chamada fase moderna ou a Era Newport, que começa por volta de 1951 e teve como fatos marcantes, além do distanciamento de Johnny Hodges da banda entre 1951 e 1955, e, sobretudo, a histórica apresentação da banda no Festival de Jazz de Newport em 1956, que por sua importância na vida do artista, deu inclusive nome a esta fase de sua carreira.

Eram anos difíceis para a orquestra, quando o Jazz tradicional precisava concorrer por espaço com outros estilos músicais, e mesmo com o próprio Jazz, que nessa ocasião já se subdividia em um caleidoscópio de subestilos... Inúmeras bigbands que fizeram sucesso nos anos de ouro da Era do Jazz agora deixavam as estradas, e mesmo a famosa Duke Ellington Orchestra lutava para conseguir contratos e se manter viva..

Foi quando, chamada para se apresentar no festival anual de Newport no estado americano de Rhode Island, para um público especialmente branco de classe alta, após um início sem muita empolgação da  apresentação da banda, ainda que estivesse o Duke ali apresentando uma composição especialmente escrita para o festival, resolveu ele resgatar um de seus antigos sucessos, "Diminuendo And Crescendo In Blue". Durante a apresentação, simplesmente emplogante, roubariam a cena os solos do Sax Tenor Paul Gonsalves, se estendendo compasso após compasso, por mais de 15 minutos... A gravação, por seu enorme sucesso, colocou a orchestra de volta em foco, dando nova vida à carreira de Ellington... Segundo o próprio Duke afirmou depois, ele teria nascido em 1956...

O áudio da gravação é simplesmente extasiante: (http://www.youtube.com/watch?v=5vnrNWyvI-U&feature=related ... contando neste vídeo com uma pequena descrição do que se passou... ademais, usa esta versão a gravação do primeiro microfone, que melhor capta a platéia, mostrando sua reação, como o próprio texto do video explica... o solo inicia-se aos 3:50, e se estende até mais de 15 minutos de música... uma das mais emblemáticas gravações do Jazz, ou da música americana, como costumava chamar Ellington... Poucas semanas depois estava o Duke na capa da Time, e eleito no mesmo ano para o Hall da Fama da famosa revista Down Beat...

Por fim, o período que vai do final dos anos 60 até 1974 é descrito como seus "Ultimos Anos" na subdivisão em fases da sua carreira, e fecha sua bem sucedida musicografia, sendo esta fase marcada por turnês internacionais, inclusive com passagem pelo Brasil em 1968 e 1971, além da composição de importantes trilhas sonoras, destacando-se aí a dos filmes Anatomia de um Crime, de 1959, de Otto Preminger, e, anteriormente, de 1961, Paris Blues, que tinha no elenco Louis Armstrong, Paul Newman, entre outros, contando a história de músicos americanos que buscavam mercado na cidade de Paris.

Mas enfim, são os Tempos do Cotton Club que nos interessam hoje... e para isso, trouxe ao blog este álbum que teve seu primeiro lançamento em 1966, compilando as seguintes gravações de 1927 a 1931:

1 - Jubille Stomp;
2 - Creole Love Call;
3 - East St. Louis Toodle-Oo;
4 - Black and Tan Fantasy;
5 - Hot And Bothered;
6 - Take It Easy;
7 - Cotton Club Stomp;
8 - Tiger Rag;
9 - Old Man Blues;
10 - Mood Indigo;
11 - Saratoga Swing;
12 - Wall Street Wail;
13 - Echoes of the Jungle;
14 - Doin1 The Voom Voom;
15 - Rockin' in Rhythm;
16 - Ring dem Bells

São seus maiores sucessos, suficientes para mostrar a sofisticação que diferencia as obras de Ellingron das dos demais compositores americanos... Não é necessário ir longe para observar isso... Sua primeira faixa, Jubille Stomp (http://www.youtube.com/watch?v=ci2DlEo0hrw&feature=search) diz tudo: uma excelente condução rítimica; arranjos milimétricos dos metais; solos típicos de seu jungle sound com surdinas imitando as vozes humanas; clarinetes em destaque dialogando de forma perfeita com os bocais; trombones, trompetes, sax, todos em perfeita harmonia e equilíbrio no desenvolvimento da música, além do piano stride do Duke... As passagens comuns a todos os instrumentos elevam a música à empolgação, somente sendo quebrada pela conclusão da música, que na ocasião, para caber nos formatos dos LPs, e nos curtos espaços das rádios, não poderia durar mais que alguns poucos minutos...

A faixa seguinte, Creole Love Call (http://www.youtube.com/watch?v=EQCgHiFkZv8&feature=search) é uma obra prima do Jazz.... Gravada em outubro de 1927, contou com a presença de Adelaide Hall's, que na canção apenas vocaliza sons, como se mais um instrumento da orquestra fosse, em especial contrastando com trompete e clarinete, dando a atmosfera creole que o Duke pretendia criar, passando de forma fidedigna o clima blues vivido pelos negros no sul do país, num misto de sofrimento, amor e lamento... As passagens que  novamente contam com toda a participação da banda são maravilhosas, em especial o retorno dos clarinetes, aproximadamente aos 2:00 de música...

Em East St. Louis Toodle-OO (http://www.youtube.com/watch?v=sY5D6uzxLuU&feature=search), de novembro de 1926, novamente falam os trompetes com surdinas como se fosse vozes humanas, somente calando-se para uma bela passagem dos Sax Barítonos, sempre sob a condução de uma swingada seção rítimica, composição que, sem perder a espontaneidade, improviso e originalidade do Jazz, chama a atenção pela perfeição dos arranjos compostos. Sobre esta, permito-me valer dos comentários de Alex Ross, escritos na maravilhosa obra "O Resto é Ruído", aqui mais do que recomendada, em que o autor traça a história da música do século XX, ali descrevendo com brilhantismo: "O que torna a faixa singular é a tensão criada entre o tema de blues no trompete solo e o acompanhamento rígido da banda. A parte do solista, composta e executada pelo mestre trompetista Bubber Miley retrata um velho que vem cansado do milharal arrastando os pés. O acompanhamento em tonalidade menor, a obra de Ellington, assume a forma de uma sequência de acordes próximos uns dos outros, girando em torno como uma multidão de observadores indiferentes."

A faixa seguinte, Black and Fantasy (http://www.youtube.com/watch?v=GN3_c1OnA3s&feature=search), uma das mais famosas da carreira do compositor, inicia-se com um tema fúnebre que remete aos anos do Jazz de New Orleans, quando frequentemente serviam de trilha sonora  para este tipo de cerimônias,  o que é quebrado na faixa apenas pelo belo refrão com sua memorável melodia.

As faixas Hot And Bothered (http://www.youtube.com/watch?v=ryeeFl0u4kc&feature=search), Cotton Club Stomp (http://www.youtube.com/watch?v=28WcBjYz3Ls&p=1E22AE3A5306ADEC&playnext=1&index=62), Tiger Rag (http://www.youtube.com/watch?v=tssTPWJRHas&feature=related) e Old Man Blues (http://www.youtube.com/watch?v=31tse3EfnHM&feature=search), são puro jungle style! Rápidas, frenéticas, empolgantes, swingadas, com belos arranjos, belas e marcantes passagens de cada um dos instrumentos, e os arranjos que só Ellington sabia dar às músicas... Na primeira, novamente sobressaem os vocais de Adelaide Halls; enquanto em Cotton Club Stomp memoráveis são os trompetes e clarinetes, além da vibrante percurssão... um primor... Tiger Rag não foge à regra, e combina o naipe dos trompetes com os solos de clarinete em enorme precisão, criando uma peça empolgante! Na sequência, Old Man Blues, mais uma famosa canção de Ellington, com o mesmo ritmo do ragtime absorvido pelo compositor em seus primeiros anos, mostra novamente o entrosamento entre os metais e palhetas...

Entre aquelas, entretanto, Take it Easy (http://www.youtube.com/watch?v=ezdeUTQt4ZU&feature=search), é uma pequena suite que pede calma no meio de tamanha correria, e serve como uma pausa no andamento frenético da faixa seguinte.

O disco tem continuação com Mood Indigo (http://www.youtube.com/watch?v=O0WzL4YGU6A&feature=related) uma das mais belas e memoráveis obras de Ellington, um retrato daqueles anos na América, tendo sido regravada à exaustão por artistas de todos os estilos, sendo seguida por Saratoga Swing, que prepara o terreno para as faixas seguintes, Wall Street Wail, Echoes of the Jungle Song (http://www.youtube.com/watch?v=vYNwiAXuh_U&feature=search), cujo título diz tudo, e Doin The Voom Voom...

Rocking In Rhythm (http://www.youtube.com/watch?v=FHriPTmPe-M&feature=search) é simplesmente maravilhosa, e era faixa obrigatória em suas apresentações, uma das mais completas e representativas canções de seu repertório, sendo o álbum fechado com Ring Dem Belld (http://www.youtube.com/watch?v=yncA7Aovjgs&feature=search), mais uma faixa de belos arranjos.

Bom... Não poderia fechar o post sem já nesta oportunidade citar ao lado de Ellington, outro grande compositor norteamericano que teve enorme relevância para o Jazz, George Gershwin, de quem certamente falarei em um dos meses seguintes.

Como sugestão de outros discos do compositor, como tenho feito nos posts passados, ficam aqui os discos "The Blanton-Webster Band", album duplo que trás as melhores faixas do período já comentado em que Ben Webster emprestou seu sopro à orquestra, bem como o The Great Paris Concert, que mostra a energia da banda ao vivo!

Até o mês seguinte!

sábado, 27 de março de 2010

LOUIS ARMSTRONG - 25 GREATEST HOT FIVE & HOT SEVENS (1995)




Impossível falar de Jazz sem falar de Armstrong! Louis Armstrong é o próprio Jazz!

Depois de dois posts escrevendo sobre Jazz moderno, hora de voltar às raízes, e, para isso, nenhuma escolha seria melhor que Armstrong: a figura que melhor representa e personifica o estilo, que resume todas as suas características, o verdadeiro retrato de New Orleans e de toda a América negra da primeira metade do século passado!

Armstrong é reconhecidamente o músico que mais inovações trouxe ao Jazz, indo além, influenciando todo estilo musical popular a partir de seu surgimento.. Redesenhou o papel do solista nas bandas, ditou novas regras para a improvisação, recriou o vocabulário e a linguagem do trompete, ensinou o mundo a swingar... deu nova vida a canções populares as transformando em clássicos do songbook americano.. influenciou, direta ou indiretamente, qualquer cantor que a partir daí tenha se aproximado de um microfone... foi o porta-voz do Jazz ao mundo... Enfim, é, de forma praticamente unânime entre críticos e ouvintes, o maior gênio da música americana!

Sua história de vida é um verdadeiro romance, e se confunde com a própria história do Jazz...

Satchmo, ou Pops, como era chamado, nasceu em meio à violência de um dos mais pobres e violentos bairros de New Orleans, por isso chamado de Battlefield, o "Campo de Batalha"... Nascido em 4 de agosto de 1901, passou a vida acreditando que o dia de seu aniversário fosse 4 de Julho, a mesma data de comemoração da independência americana... A descoberta pelo mundo somente veio após sua morte, em 1980, quando encontrada sua certidão de batismo, que registrava a verdadeira data de nascimento de quem ali qualificava como "negro ilegítimo". Suas biografias contam a história de que sua mãe teria se lembrado que no momento do parto ouvira grandes estouros, o que reputou serem os fogos da celebração da independência. Na verdade, entretanto, nada mais eram que tiros, comuns naquela região... 

Filho de um jovem alcóolatra que frequentemente espacava a mulher, e que cedo abandonou a família, forçando a mãe de Louis, Mayann, a não raras vezes ter que recorrer à prostituição para sustentar a si e aos filhos, aos sete anos conheceria Armstrong uma família russa de judeus, os Karnovsky, que viviam da distribuição de cavão para os inúmeros cabarés de storyville, a zona boêmia de New Orleans. O carinho e o acolhimento daquela família mudaria para sempre o curso de sua vida, sendo por ele sempre gentilmente lembrada.

Embora ainda criança, dariam os Karnovsky a Louis uma pequena oportunidade de trabalho e de ganhar dinheiro, e que cedo colocaria sua vida em contato com a música. Para anunciar a passagem pelas ruas das carroças de carvão dos Karnovsky, ofereceriam a Louis uma corneta rudimentar que deveria soprar comunicando a chegada do produto... Aí começaria seu fascínio pela música. Foi também Morris Karnovsky quem posteriormente adiantaria 5 dollares para que Armstrong comprasse uma velha Corneta em Si em uma loja de artefatos, por meio da qual iniciaria o jovem Louis seus estudos musicais. Pops lembraria para sempre a generosidade da família judaica, passando, em gratidão, a usar no peito pelo resto de sua vida a estrela de David.

Era ali, no boêmio ambiente de Storyville que Armstrong cresceria, entrando em contato com os grandes mestres da primeira geração do Jazz, dentre eles Sidney Bechet e Joe Lindsay, Kid Ory, além de King Oliver, seu grande mentor e ídolo, a quem chamava carinhosamente de "Papa Joe". 

Storyville, o "distrito da luz vermelha" de New Orleans teria importância fundamental para a história do Jazz, pelo sua criação, e também pelo seu fechamento... Em 1897 decidiu o político Sidney Story (daí a referência ao nome) criar uma região especialmente voltada para a prostituição e casas de divertimento com o intuito de manter longe a prostituição da cidade de New Orleans, que passaria, naquela região, a ser legalizada.. como não poderia deixar de ser, as inúmeras casas de diversão seriam terreno fértil também para a música, tendo sido palco e elemento essencial para o surgimento e desenvolvimento do Jazz...

Após 20 anos de funcionamento, entretanto, em que pese os protestos dos governos estadual e municipal, a prostituição em Storyville foi também declarada ilegal pela Marinha Americana, obrigando os músicos, que até então tinham fartas oportunidades de emprego em suas casas boêmias, a migrar para outras regiões, em especial para Chicago... aí começaria um novo capítulo na história do Jazz... 

Mas voltando ao capítulo atual...

Na noite de ano novo de 1913, quando então possuia Louis 12 anos, enquanto caminhava pelas ruas com outros companheiros tentando conseguir alguns centavos, um deles disparou seis tiros para o alto com uma arma, como uma contribuição aos barulhos dos fogos de artifícios que cobriam os céus na noite de reveillon. Perto dali policiais ouviram os disparos, e logo abordaram Louis, que consigo tinha uma um revólver 38, que encontrara entre as coisas de sua mãe, provavelmente pertencente a um de seus "padrastros". Dali foi levado a um reformatório, "por tempo indeterminado", conforme dizia a sentença. É o que contam suas biografias mais fiéis, embora seja um dos períodos mais nebulosos de sua vida.

O destino de Louis junto à música já estava, entretanto, traçado, e todos os episódios pareciam cada vez mais leva-lo a essa direção. No reformatório seria formada uma banda de metais de 15 instrumentos, da qual satchs logo se prontificaria a fazer parte. De início, contudo, decepcionou-se ao ganhar um tambor ao invés do trompete, pelo qual já era apaixonado. Em pouco tempo, porém, foi promovido a uma trompa alta, e posteriormente ao trompete, quando o tormpetista principal deixou o reformatório. Ali Louis teria suas primeiras noções do instrumento, e logo seria nomeado líder da banda. Quando deixou o Centro, e voltou a viver com sua mãe, Mayann, o ainda jovem trompetista já tocava em parques e desfiles.

Mesmo diante dessa dura história de vida, cercada de pobreza, violência e discriminação, Louis não abandonaria, durante toda sua vida, o sorriso que mal cabia em seus lábios, tornando-se um símbolo da esperança e da bondade humana.

Em agosto de 1915 a prima de Armstrong, Flora Miles, deu à luz ao menino Clarence Armstrong, órfão de pai, e que ainda bem pequeno sofrera acidente que o deixaria doente mental por toda a vida. Com a morte prematura de Flora Miles, Armstrong, mesmo sem recursos, adotaria a criança, e trabalharia duro para que não lhe faltasse nada por toda a vida. Para sustentá-lo, conseguiria outro trabalho carregando carvão, que embora extremamente penoso, deixava suas noites livres para tocar seu instrumento.

Além de ter sido sua grande escola musical, onde pôde entrar em contato com os grandes mestres do jazz, Storyville proporcionaria a Louis também o encontro com sua primeira esposa, Daisy Parker, uma prostituta que ali trabalhava, com quem viria a se casar em 1918.

Com o "distrito" declarado ilegal, contudo, não tardaria para que o próprio Armstrong, seguisse o caminho de seus grandes mestres, também deixando New Orleans em busca de trabalho.

Desde 1917, quando King Oliver mudou-se para Chicago em busca de trabalho, Armstrong vinha tocando na famosa orquestra de Kid Ory, no lugar ali deixando por seu mentor, que o havia recomendado para que o substituisse. Após a escassez dos empregos para os músicos em New Orleans, Satchmo sairia a tocar numa jornada comum naquele contexto, em longas temporadas nos river boats, grandes embarcações que subiam o Mississipi, e, para isso, não poderiam deixar de ter diversão e música.

Após três anos assim tocando na banda de Fate Marable, de 1919 a 1921, em 1922 Armstrong finalmente chegaria a Chicago, por convite de King Oliver, indo, finalmente, integrar a orquestra de seu maior ídolo, a célebre King Oliver's Creole Jazz Band.

Lá conheceria Lillian Hardin, pianista do conjunto de Oliver, com quem se casaria em 1924, e que  teria papel fundamental na história de Satchmo, tendo sido a incentivadora a que deixasse a banda de Oliver, seu Papa Joe, para mudar-se para Nova York, a fim de integrar a orquestra de Fletcher Henderson, uma das mais importantes da história do Jazz.

Sua passagem pela orchestra de Henderson, entretanto, também seria breve, e pouco mais de um ano depois, em 1925, formaria seu próprio conjunto... É aí que entram os Hot Five e Hot Seven de Armstrong, protagonistas do review deste mês...

A trajetória do músico mereceria inúmeros posts neste blog, já que, como se vê dos poucos fatos acima relacionados de sua biografia, Armstrong esteve presente em todos os principais momentos do Jazz até a primeira metade do século.. Seja tocando em bandas de New Orleans na fase áurea de Storyville, integrando lá, dentre outras, a orquestra de Kid Ory; seja em Chicago com a Creole Jazz Band de seu mestre King Oliver, seja atuando em Nova York na célebre orquestra de Fletcher Henderson; ou mesmo em seu próprio conjunto, de enorme sucesso, Sachs viveria todos os principais capítulos da história do Jazz tradicional...

Sua carreira é, assim, comumente dividida pelos biógrafos do cantor nas seguintes fases: Os anos iniciais, de 1901 a 1925; o período dos Hot Five & Hot Seven; de 1925 a 1928; o período do sucesso como cantor pop, de 1929 a 1932; a fase do Swing nos anos 30, de 1932 a 1942; os War Years, durante a segunda grande guerra, de 1942 a 1946; a fase com seus all-stars, de 46 a 56; a Era de Ouro, de 1956 a 1963; e a fase que costuma ser denominar como o seu "crepúsculo", que fecha a carreira do artista, até o ano de seu falecimento, em 1971...

Assim, embora este review fique focado no período de seus hots, certamente outros álbuns do gênio figurarão, por justiça, neste blog, quando, oportunamente, será falado das outras fases...

A bem da verdade, para ser justo com Armstrong, e aos leitores, o mais correto seria trazer ao Blog não esta pequena coletânea de 25 sucessos dos Hot, mas sim o Box com 4 albuns lançado pela Sony compilando toda a produção dos conjuntos... estas são consideradas as mais importantes gravações da história do Jazz!

Embora aglutinadas todas sob o nome dos Hot Five e Hot Seven, a grande verdade é que as gravações foram obra de formações variadas, algumas lançadas sob o nome dos Hot Five, ou dos Hot Seven, outras sob o nome da Louis Armstrong Orchestra, Louis Armstrong And His Savoy Ballroom Five, Louis Armstrong and His Stompers, entre outros, tendo por elas passado diversos músicos nos seus apenas 3 anos de existência, fazendo parte dos Hot Five os seguintes: May Alix, Clarence Babcock, Butterbeans, Suzie Edward, Mancy Carr, Hy Clark, Johnny Dodds, Lonnie Johnsn, Earl Hines, Kid Ory, Fred Robinson, Zutty Singleton, Johnny St. Cyr, Jimmy Strong, além do próprio Armstrong e sua então esposa Lil Hardin-Armstrong... A mais famosa formação, entretanto, seria aquela com Kid Ory no trombone, Johnny Dodds na clarineta, Johnny St. Cyr no banjo, a pianista Lil Armstrong, além de Louis Armstrong na liderança.

Já os Hot Seven teriam uma formação mais sólida, deles fazendo parte Lil Hardn, Pete Briggs, Baby Dodds, Johnny Dodds, Earl Hines, Johnny St. Cyr, e John Thomas.

A presente compilação reune os seguintes clássicos:

1 - Heebie Jeebies;
2 - Cornet Chop Suey;
3 - Muskrat Ramble;
4 - Jazz Lips;
5 - Skid-Dat-De-Dat;
6 - Big Butter Egg Man;
7 - Willie The Weeper;
8 - Wild Man Blues;
9 - Alligator Crawl;
10 - Potato Head Blues;
11 - Melancholy Blues;
12 - Weary Blues;
13 - Struttin' With Some Barbecue;
14 - Once In A While;
15 - I'm Not Rough;
16 - Hotter Than That;
17 - Savoy Blues;
18 - Skip The Gutter;
19 - West End Blues;
20 - Basin Street Blues;
21 - Beau Koo Jack;
22 - Weather Bird;
23 - Muggles;
24 - St. James Infirmary;
25 - Tight Like This;

As faixas, que sairam pelo selo Okeh em 56 discos com em média 2 ou 3 faixas cada, foram  todas registradas no estúdio da própria gravadora em Chicago. Das que compõem a coletânea ora revisada, as seis primeiras foram gravadas pelos Hot Five. Na sequência, da sétima à décima segunda, entram em ação os Hot Seven. Daí até a 19ª faixa, tem-se novamente gravações dos Hot Five. A faixa seguinte, uma gravação do clássico Basin Street Blues, foi atribuída a Louis Armstrong and his Orchestra. Já a próxima canção, Beau Koo Jack, assim como a 24ª, St. Jame's Infirmary, e a faixa saideira, Tight Like This, sairam sob o crédito de Louis Armstrong And His Savoy Ballroom Five, que tinha, na verdade, um sexteto, além do líder. Entre estas, contudo, há, como 22ª faixa, uma versão em dueto entre Armstrong e Earl Hines no piano para Weather Bird. Na sequência desta, a 23a música, Muggles, é também obra da Louis Armstrong Orchestra.

A canção inicial, Heebie Jeebies, (http://www.youtube.com/watch?v=ksmGt2U-xTE) é um marco para a história do Jazz... Nela Armstrong inaugura um recurso que posteriormente ganharia grande popularidade no meio jazzístico... Conta o próprio Armstrong, em uma história que se tornaria lendária, que durante as gravações, enquanto cantava os versos da canção, caiu ao chão o papel com as letras, forçando-o a simplesmente vocalizar sílabas com a melodia da música... Não havia tempo nem dinheiro para repetir a gravação... surgia aí o Scat Singing, que faria parte de toda sua carreira, e de grandes outros cantores de Jazz, como Ella Fitzgerald e Sarah Vaughan, para citar apenas duas... (Apesar, contudo, de sempre creditado a Armstrong o nascimento do scat, a verdade é que há registros anteriores dessa forma de cantar por outros músicos. Não obstante, permanece o trompetista como o pai formal da técnica... Enfim... é uma polêmica que esse blog não vai solucionar!).

As faixas seguintes dos Hot Five mostram, além do entrosamento da banda, a grande estrela de Louis como solista, que, esbanjando expressão, colocava-se naturalmente no centro do conjunto como protagonista, inovação que seria a grande contribuição do músico ao Jazz, desenho este que os conjuntos seguintes manteriam até os dias de hoje, redefinindo o jazz como a arte focada na individualidade dos músicos.

Cornet Chop Suey (http://www.youtube.com/watch?v=--xy6nxea2A), Muskrat Ramble (http://www.youtube.com/watch?v=ch0DWA30PiE), Jazz Lips (http://www.youtube.com/watch?v=-_SfbYhcZss), Skid-Dat-De-Dat (http://www.youtube.com/watch?v=kUEyWk60ldo) e Big Butter Egg Man (http://www.youtube.com/watch?v=i41z0wAR_pQ) são típicas canções no estilo New Orleans, além de exemplo perfeito de como o Jazz se constitui como um verdadeiro diálogo musical. A interação de cada instrumento, com brakes e retornos coletivos, com o cruzamento das melodias, com suas passagens em uníssono, além da levada swingada que ditavam o rítmo do início do século, ficam claros nestas canções, sendo a verdadeira referência em disco desse estilo que se consolidou dentro do Jazz.

Dentre estas, vale destacar Skid-Dat-De-Dat, que, numa levada melancólica, traz belas frases do trombone e clarinete, além, naturalmente, do próprio trompete, um show a parte de Armstrong. Mais uma vez o scat tem lugar, a estas alturas já uma marca do cantor.

As canções com os Hot Seven se iniciam com Willie The Weeper (http://www.youtube.com/watch?v=9xy-4RWtzhE), e em seguida o clássico que dispensa comentários, Wild Man Blues (http://www.youtube.com/watch?v=4M21EgpyHgc), cuja autoria é às vezes atribuída a Armstrong, às vezes a Jelly Roll Morton, embora possivelmente perteça a este último.

Depois destas vêm Alligator Crawl (http://www.youtube.com/watch?v=fE1mCHc2MAw), que tem belos solos de clarinete e de trompete, que em longo trecho parece dialogar com ele mesmo; Potato Head Blues (http://www.youtube.com/watch?v=EfGZB78R7uw), Melancholy Blues, uma bela canção dos músicos M. Bloom e Walter Melrose, além do clássico Weary Blues (http://www.youtube.com/watch?v=oqFRrWr8U3s), facilmente reconhecível como uma das grandes pinturas do Jazz de New Orleans, valendo destacar os riffs criados pelo clarinete na metade da canção.

De volta aos Hot Five, tem-se Struttin' With Some Barbecue (http://www.youtube.com/watch?v=NxGruxZVavM), composição da esposa de Armstrong, Lil, com letras (não nesta versão dos Hot) de Don Ayle;  e Once In A While (http://www.youtube.com/watch?v=W63YV0SPMgw), com sua levada tipicamente ragtime ao piano... Depois desta, vêm Hotter Than That (http://www.youtube.com/watch?v=yQ-8LuHbcHA), a clássica Savoy Blues (http://www.youtube.com/watch?v=jntaHRH8kgY), Skip The Gutter (http://www.youtube.com/watch?v=7dk2kzDMHug), e West End Blues (http://www.youtube.com/watch?v=NmmFKu4FEbc), a mais importante canção gravada pelo artista, a qual tornou-se um paradigma para as futuras gerações de instrumentistas.

Basin Street Blues (http://www.youtube.com/watch?v=zQBjD06a6l8) merece comentários a parte... trata-se de uma típica canção ao estilo de Dixieland (o termo dixieland é usado em várias acepções, e por isto tenho evitado usá-la até que tenha espaço para esclarecê-la, o que ocorrerá em posts futuros... mas aqui está usado no sentido do Jazz tradicional dos primeiros tempos em New Orleans...). É de autoria de Spencer Williams, composta em 1926, tendo ganhado fama inicialmente justamente com esta gravação de Armstrong... É umas das mais famosas canções do songbook jazzístico, tendo sido posteriormente imortalizada novamente por Armstrong em uma versão com letras, que foram incluídas por Glenn Miller e Jack Teagarden, este último que seria um dos maiores parceiro de Armstrong em anos seguintes com seus All Stars... Basin Street é mais uma referência aos gloriosos anos do Jazz em Storyville, tendo sido uma de suas mais agitadas ruas... Vale a pena conferir a mais famosa versão da canção: (http://www.youtube.com/watch?v=6GuDExkBmnU).

A sequência do disco tem Beau Koo Jack, e Weather Bird, esta última composição de seu mestre King Oliver, em que faz um belo dueto com o piano de Earl Hines, que seria uma das figuras mais importantes a tocar ao lado do trompetista, e uma de suas mais importantes influências... Críticos costumam dizer que Hines estivera sempre pelo menos 10 anos à frente dos músicos de sua geração...

Após estas, fecham o disco  Muggles (http://www.youtube.com/watch?v=qY6Yo6lE-Jg), St. James Infirmary (http://www.youtube.com/watch?v=fvr7nkd_IJM) e Tight Like This (http://www.youtube.com/watch?v=LUarPWNVxnA), com seu dramático solo.

Como dito antes, o álbum é só um aperitivo pra quem se encanta pelo Jazz de New Orleans, sendo indicada a coleção completa dos Hot, com seus 4 álbuns.. A coleção completa é imprescindível, principalmente se verificado que à coletânea de 25 músicas aqui indicada faltam clássicos absolutos, como Put 'Em Down Blues e I Can't Give You Anything But Love.

Além destas, fica desde já a indicação dos discos Harlem Stomp e Louis Armstrong Plays W.C. Handy, bem como discos de suas outras fases, em especial junto aos seus All Stars, que certamente estarão brevemente no blog...

Fecho o post deste mês ressaltando a importância de Armstrong para o Jazz, que muitas vezes é visto apenas como o cantor pop de What a Wonderful World... Louis foi o mais inovador músico de sua época e o grande gênio que ditou os caminhos do Jazz até meados da década de 40, merecendo de qualquer apreciador do estilo uma oitiva completa de sua obra!!

É isso! Mês que vem tem mais, desta vez falando do maior compositor da música americana.. Vem aí o Duque!

Abraços!

Venâncio Vilella

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

SONNY ROLLINS - SAXOPHONE COLOSSUS (1956)



O Colosso do Saxofone, o Gigante! Foi o título que Sonny Rollins passou a ostentar a partir desta obra prima indispensável em qualquer estante de Jazz! Seu nome não poderia ser mais sugestivo...

Escolhi-o para os comentários deste mês pelo mesmo motivo que havia escolhido o álbum "Blue Train" no mês anterior, quer dizer, por ser mais um disco que qualquer pessoa, ouvinte habitual ou não de Jazz, poderá escutar facilmente, e já nas primeiras notas tornar-se um fã!

Além disto, é mais um disco de Hardbop, tocado por um de seus maiores expoentes, o que ajudará o ouvinte a definir e melhor entender esta corrente, podendo perceber suas características e particularidades, servindo de parâmetro para comparações quando passar a escutar discos de outros estilos.
Bem... e já que pelo segundo mês seguido trouxe ao Blog um Saxofonista Tenor, parece-me oportuno iniciar falando um pouco do instrumento no Jazz...

Seu aparecimento no estilo se deu de forma tardia, não tendo feito parte das tradicionais bandas de New Orleans dos primeiros tempos, que eram formadas, em geral, pelos sopros clarinete, trompete e trombone. O instrumento viria a ganhar espaço, todavia, a partir dos anos 20, e se firmaria definitivamente na era Bop como o mais reconhecível instrumento do Jazz.

Da família (que tem o Barítono, o Tenor, o Alto e o Soprano), define Jorge Guinle o Sax Tenor, com acerto, como "o mais pessoal dos instrumentos de solo. Cada saxofonista possui uma sonoridade que lhe é peculiar e, geralmente pode ser identificado logo nas primeiras frases"(...). "É um instrumento no qual se pode tocar da maneira mais exuberante ou de uma maneira mais leve, porém incisiva". A assertiva é inteiramente verdadeira, podendo cada instrumentista sustentar um som absolutamente pessoal e único, como a própria voz.

Dentre os críticos, é comum que sejam apontados, como os quatro maiores tenoristas da história do Jazz, além do próprio Sonny Rollins, John Coltrane, Coleman Hawkins e Lester Young. Enquanto Rollins e Contrane foram as grandes influências das novas gerações do Jazz moderno, Hawkins e Young serviram de influência, não só para os dois primeiros, mas também a todos os tenoristas que um dia já tocaram ou tocarão o instrumento...

Hawkins era dono de um timbre robusto e vigoroso, o que herdaria também Sonny Rollins, que teve naquele sua maior influência, por quem, inclusive, segundo constam as biografias, teria largado o Sax Alto, iniciado antes por influência do som de Charlie Parker, para começar definitivamente seus estudos no Tenor. Hawkins, embora frequentemente associado ao período do Swing, teve importante passagem pelo Bebop, mostrando enorme desenvoltura no estilo, demonstrando o grande músico que era...

Por outro lado, Young, apelidado Prez (de President) por Billie Holiday, possuia um toque leve e suave, o grande contraste entre os dois saxofonistas. É sempre lembrado por seu lirismo, sofisticação e pela sutileza de seu som, o que compadecia perfeitamente com sua personalidade rara, excêntrica e ao mesmo tempo de bondade e gentileza únicas.

Desta dicotomia de timbres surgiriam duas correntes nítidas para as gerações futuras, associando-se os músicos que viriam em seguida sempre a uma ou outra forma de tocar. Como discípulos do som de Hawkins, surgiriam: Paul Gonsalves, Chu Berry, John Griffin, Sonny Stitt, Ben Webster, além do próprio Rollins. Já Young teve dentre seus seguidores Stan Getz, Al Cohn, Dexter Gordon, além de todos os demais instrumentistas que mais tarde iriam se filiar ao Cool Jazz...

A forma robusta com que os seguidores de Hawkins viriam a tocar inspiraria a imagem de Sonny Rollins como um grande guerreiro do instrumento, um verdadeiro Titã... É neste contexto que se encaixa seu Colossus, uma obra que representa a força e a magnitude do Sax.

Rollins, na ocasião, já era reconhecido pela crítica como o mais importante tenorista do Jazz pós-bop, tendo naqueles anos tocado ao lado de grandes figuras como J.J. Johnson, Charlie Parker, Fats Navarro, Bud Powell, Max Roach, Thelonious Monk, Art Blakey dentre outros. Porém, mais marcante seria a passagem de Rollins no grupo de Miles Davis, com quem emplacaria no álbum Bag's Groove, de 1954, standars eternos do Jazz, como "Airegin," "Doxy," e "Oleo". Rollins, a estas alturas, já tornara-se célebre, também, por seu quinteto com Clifford Brown e Max Roach, de 1955, uma das mais introsadas formações da história do Jazz.

Gravado pela Prestige Records em 1956, o Colossus possui 5 músicas:

1 - St. Tomas
2 - You Don't Know What Love Is;
3 - Strode Rode;
4 - Moritat;
5 - Blue 7;

Destas, três são composições do próprio Rollins, excetuando-se apenas You Don't Know What Love Is, de autoria de Gene de Paul, de 1941; e Moritat, retirada da "Ópera dos Três Vinténs", do compositor Kurt Weill e do escritor Bertold Brecht. Para quem escutou e reconheceu o tema da música, ela é, na verdade, a mesma Mack the Knife, imortalizada por Louis Armstrong no mesmo ano, e cantada por tantos outros, a exemplo de Ella Fitzgerald. O título Moritat, dado por Rollins, nada mais é do que uma simplificação de seu nome original em alemão: "Die Moritat von Mackie Messer". É um clássico que derrubou a barreira entre a música erudita e a popular, tendo sido utilizada incansáveis vezes por artistas no mundo inteiro.

Por aqui, Chico Buarque também fez sua versão da "Ópera dos Três Vinténs", adaptando-a ao universo carioca como "A Ópera do Malandro", em que "Mack The Knife" se transformou na famosa "O Malandro". Quem quiser comparar as versões, curiosamente, seguem aí os links do youtube, respectivamente, das versões de Louis armstrong: http://www.youtube.com/watch?v=wgYgl4OodeY; Chico Buarque: http://www.youtube.com/watch?v=wpuXMxsfCzs; Sonny Rollins: http://www.youtube.com/watch?v=ox5MUXvhzK8; e a original extraída da ópera: http://www.youtube.com/watch?v=_QXJ3OXWaOY... Mas enfim, voltando ao Jazz

O disco, assim como Blue Train, de quem falei no mês anterior, foi gravado no emblemático Rudy Van Gelder's Studio, em New Jersey, tendo participado das sessões, ao lado de Rollins, Tommy Flanagan, ao piano, que dentre as participações mais famosas de sua carreira estaria aquela no álbum Giant Steps, de Coltrane, além de ter, por um longo período, acompanhado Ella Fitzgerald, nas décadas de 60 e 70; também, Doug Watkins, no Baixo, um dos primeiros membros dos Jazz Messengers; além de Max Roach, na Bateria, um dos precursores do Bebop e mais influentes bateristas de todos os tempos, com quem tocou Charlie Parker, Dizzy Gillespie, Duke Ellington, Miles Davis, Chales Mingus, dentre outros...

St. Tomas (http://www.youtube.com/watch?v=UA2XIWZxMKM), que se tornou a marca registrada do músico, inicia o disco chamando a atenção por sua levada latina, tendo o instrumentista se baseado em uma canção caribenha, do gênero calipso, que sua mãe costumava cantar quando Rollins ainda era criança. A faixa evidencia de forma perfeita uma das maiores características do tenorista, sua capacidade incrível de explorar o elemento rítimo das canções. Rollins viria futuramente a flertar novamente com rítimos latinos em What's New, de 1962, influência esta que restaria sempre implícita em seu modo de tocar.

A faixa, simplesmente empolgante, justifica, ainda, sem deixar qualquer sombra de dúvida, porque era o artista conhecido como o "inesgotável improvisador", sendo notável a forma como as frases iniciam-se e terminam num timming que o músico sentia melhor que ninguém, encaixando-se como se fossem milimetricamente compostas. Importante ainda registrar que o tema inicial mereceu um perfeito acompanhamento pela bateria e piano, preparando para a brilhante entrada do solo de Rollins, que o sustenta durante toda a música com enorme swing.

Cada frase do solo é marcante, ajudando o iniciante no Jazz a perceber que por trás do aparente caos que é inerente ao estilo musical, há enorme coerência e lógica. No decorrer da faixa, destaca-se, ainda, o solo de Roach, que prepara o retorno mais uma vez contagiante do Tenor com nova sequência de belas frases.

Embora possua grandes discos de estúdio, como o presente, era nos palcos, entretato, que Rollins chamava a atenção, onde sua capacidade de improvisação saltava aos ouvidos dos frequentadores dos clubs novaiorquinos, sendo capaz de improvisar por horas a fio, sem terem fim suas idéias, citando, inesperadamente, temas de outras canções que inusitadamente surgiam à sua cabeça, fazendo-o um dos intérpretes mais criativos em termos melódicos que o Jazz já conheceu.

Sua postura nos palcos combinava acertadamente com o som que produzia em seu Sax, revelando a eterna batalha do jazzman com seu instrumento, numa necessidade constante de fazê-lo sempre produzir melodias originais e espontâneas, noite após noite. Representava a força e o poder do músico quando de posse de seu instrumento, nunca revelando qualquer traço de fraqueza ou intimidação.

Em You Don't Know What Love Is (http://www.youtube.com/watch?v=tLFlJIqiMLc), balada de Gene de Paul, evidencia-se melhor do que nunca a imponência e o vigor do som do músico, que não se abalam nem pela beleza e sensibilidade da composição de De Paul. Certas passagens, mesmo no contexto tranquilo da harmonia e da sessão rítimica, revelam a agressividade com que Rollins trava sua batalha, sem afetar a sofisticação e o romantismo da composição. Os solos possuem a criatividade incomum que marcou toda a trajetória do artista. Após um pequeno intervalo, onde o lirismo de Flanagan ao piano vem à tona, retorna o bandleader para a conclusão da canção. Um primor de versão!

Em seguida, Strode Rode (http://www.youtube.com/watch?v=L7G4DciALDs) inicia-se com uma das marcas registradas do tenorista. Não raras vezes é possível deparar-se o ouvinte com trechos de improvisos do músico em que este se prende a uma única nota, isolando melodia e harmonia para que pudesse trabalhar unicamente o elemento rítmico. É assim que surge esta típica representate do Hardbop, com um riff que, repetindo por oito vezes uma única nota, dá forma a este famoso standad do Jazz.. É apenas uma pequena amostra desta técnica do saxofonista, que em suas apresentações poderia se transformar em hipnóticas experiências de longos minutos... É também mais uma boa faixa para se perceber o poder de improvisação do músico, que aqui traz frases de coerência única, novamente começando e terminando com perfeita precisão no andamento do tempo.

Moritat (http://www.youtube.com/watch?v=ox5MUXvhzK8) e Blue 7 receberam no disco um andamento cool, modo delicado e por vezes melancólico de se tocar, contraste que o Jazz sempre alimentara em contraposição à sua veia "Hot". O Cool viria no final da década de 1940 e seguintes a se consolidar como um estilo, consistindo, talvez, na mais conservadora reação sofrida pelo Bebop... Mas pra falar de Cool é preciso falar do álbum "Birth of Cool"... e pra falar deste disco é preciso falar de Miles Davis... e Miles Davis merece um capítulo especial em qualquer escrita sobre Jazz... o que fica pra uma outra hora...

... voltando a Moriat e Blue 7, são elas registros impecáveis da capacidade que o músico viria demonstrar de incorporar as novas tendências que povoavam o Jazz, mantendo, contudo, sempre um estilo conservador em relação ao modo de tocar. Quem assiste a recente shows do artista comprova que Rollins continua o mesmo de 60 anos atrás.

E não faltavam novas tendências naquele período... A música estava em ebulição no meio Jazzístico...

Aquele ano seria marcante para sua história, tendo vindo à luz registros inesquecíveis, como a obra prima do Bebopper Thelonious Monk, Brilliant Corners; o ultra vanguardista Pithecanthropus Erectus, de Charles Mingus; as obras cool de Miles Davis: Cookin', Relaxin', Workin' e Steamin'... entre outros... além disto, cumpre lembrar ter sido aquele um ano memorável para toda a carreira do maior compositor da história do Jazz, Duke Ellington, quando, em um de seus mais importantes concertos, no Newport Jazz Festival, demonstrou ao mundo que o Swing ainda tinha espaço no gosto musical norte-americano, levando a platéia ao delírio durante os solos de seu tenorista Paul Gonsalves. Dentre os fatos tristes, aquele seria o ano da morte de Clifford Brown, um meteoro que passou pela terra, em curta carreira, mas que teria enorme importância para o Jazz, e em especial para o próprio Sonny Rollins, com quem gravou discos geniais.

Fica claro das poucas citações acima, que o Jazz estava em um caldeirão de experiências, prenúncio do que iria viver o estilo nos anos seguintes, onde correntes tão discrepantes seriam obrigadas a conviver entre si, exigindo dos músicos mais criatividade do que nunca, além de enorme bom senso para dosar os recursos que lhes estariam disponíveis.

Rollins seria uma destas figuras afoitas por inovações no Jazz. No ano seguinte ao lançamento de seu Colossus, seria pioneiro no uso do formato Sax-Baixo-Bateria apenas, registrando a inovação em seus discos Way Out West e A Night at the Village Vanguard. Um ano depois, a formação seria repetida na famosa The Freedom Suite, extensa peça do músico que denunciava os absurdos do racismo.

Na década seguinte, Rollins faria, ainda, incursões pela mais radical das estéticas conhecidas pelo Jazz, o Free, que vinha ao mundo por meio do controvérso quarteto de Ornette Coleman, que abandonava por completo as tradicionais concepções de harmonia, rítmo e melodia, dando ao músico total liberdade para tocar da forma como quisesse. Seu disco de apresentação do novo estilo não poderia ter outro nome: The Shape Of Jazz To Come, ou, a "Forma do Jazz Que Estaria Por Vir"... Era um prenúncio de novos tempos na música...

Sua inquietude por evoluir e inovar alcançaria, ainda, os aspectos técnicos do instrumento, tendo o músico ficado famoso pelas "pausas" que fez em sua carreira, por ele mesmo chamadas de "licenças", em que se afastou dos palcos e estúdios para longos estudos introspectivos do instrumentos... Segundo a lenda, tendo o músico uma vizinha grávida na ocasião, e não querendo a incomodar, passava as madrugadas treinando sentado em uma ponte em Nova York, ajudando a criar a mística romântica em torno do Saxofone, e do próprio Jazz. Seu álbum pós-licença levaria, por isso, o nome The Bridge, e seria um retrato das novas técnicas que desenvolvera no período. Ao longo de sua carreira, Rollins tiraria ainda uma segunda licença, em que se dedicou ao estudo das culturas orientais, influência que seria marcante nos discos posteriores a esta fase.

Para quem gostou do som dos Tenores Sonny Rollins e John Coltrane, revisados neste mês e no anterior no Blog, fica o convite para escutar também Tenor Madness, do mesmo ano, em que os dois grandes se encontram para um duelo de vinte minutos na música título, única gravação conhecida com os dois artistas, sendo possível identificar com clareza o som de cada um. Nas demais faixas, Rollins divide as gravações com membros do então famoso grupo de Miles Davis: Philly Joe Jones, na Bateria, e Paul Chambers, no Baixo, artistas que compuseram o elenco que gravou Blue Train, comentado em janeiro, além do pianista Red Garland. O quinteto, Garland, Joe Jones, Coltrane, Chambers e o líder Miles Davis, havia gravado um ano antes (em apenas um fim de semana, vale frisar...) os quatro álbuns clássicos de cool pela Prestige Records: Workin'; Streamin'; Cookin'; e Relaxin', with the Miles Davis Quintet.

Também do artista, sugiro outros dois discos: Sonny Rollins Plus 4, em que os "mais 4" são, ninguém mais, ninguém menos, do que Clifford Brown, a senção do trompete naquela época; o grande baterista e líder Max Roach; além de Ritchie Powell no Piano e George Morrow, no Baixo.

E, ainda, um de meus favoritos, o disco Sonny Side Up, gravado pelo trio Dizzy Gillespie, no trompete; e os dois tenoristas, Sonny Rollins e Sonny Sitt; além dos irmãos, o pianista Ray, e o baixista Tommy Bryant. Completando o team, as sessões tiveram, ainda, Charlie Persip na bateria. No disco destaca-se a bela versão cantada por Gillespie do clássico On The Sunny Side Of The Street, imortalizada antes por Louis Armstrong, além do belo Blues After Hours, terceira faixa do álbum.

Sem dúvidas indicações que não irá decepcionar...

É isso, até o mês que vêm!

sábado, 9 de janeiro de 2010

JOHN COLTRANE - BLUE TRAIN (1957)




Escolhi este álbum pra estrear o Blog por uma razão muito simples... Sempre foi o disco que indiquei pra quem quisesse começar a escutar Jazz.

Poderia adotar um critério cronológico pra isso, sugerindo ao iniciante um disco de bandas tradicionais de New Orleans do princípio do século passado, quando o estilo começou a se definir, o que faria o leitor percorrer, passo a passo, toda a trajetória do Jazz, certamente o auxiliando a perceber e entender as mudanças sofridas pelo estilo... mas penso que poderia haver uma certa dificuldade ao "ouvinte de primeira viagem" em escutá-las, primeiro pela precariedade técnica destas gravações, e em segundo lugar por muitas vezes não soarem atuais aos ouvidos de hoje...

Com isso, ao invés de estimular uma iniciação ao Jazz, começar por estes discos poderia gerar um efeito contrário, distanciando ainda mais o leitor do estilo musical...

Justamente por isso escolhi este disco de Coltrane como um primeiro álbum a comentar aqui! Trata-se de excelente gravação, remasterizada em 1990, relançada em 1997 sob o título The Ultimante Blue Train, quando foram incluídos dois outros Takes, e novamente lançada em 1999 em versão DVD Áudio, recebendo o título Blue Train Note 1977. Em 2003 uma nova versão foi lançada, agora em Super Audio CD... Ou seja, gravação de primeira qualidade, como as produzidas hoje em dia.

Ademais, soa o álbum extremamente "redondo", num exemplo de perfeita intereção entre os músicos, além de ser incrivelmente coeso quando escutado por inteiro.

O Álbum contém 5 faixas:

1. Blue Train;
2. Moment's Notice;
3. Locomotion;
4. I'm Old Fashioned;
5. Lazy Bird;

O relançamento de 1990 incluiu, como dito acima, um segundo take das música Blue Train e Lazy Bird.

Dentre o set list, a 4a faixa é composição de Jerome Kern e Johny Mercer, sendo as demais todas originais.

Participaram das gravações, além de Coltrane no sax tenor, Paul Chambers, baixista que nesta época integrava ainda (também ao lado de Coltrane) o conjunto de Miles Davis que viria a gravar, dois anos depois, a obra prima A Kind Of Blue; Kenny Drew ao piano, que atuara com o outro grande sax tenor Coleman Hawkins, além de também ter estado no conjunto de Charlie Parker e Buddy Rich; Curtis Fuller ao trombone, ex-colega de estudos de Paul Chambers, e com quem formava um outro conjunto juntamente com Cannonball Adderly e o irmão deste durante a década de 50. Fuller ja havia tocado também ao lado Miles Davis, e viria a tocar com Art Blakey e outros grandes nomes nos anos seguintes.

Completavam ainda o sexteto Philly Joe Jones na bateria, que também participaria dois anos depois das lendárias sessões de Kind Of Blue; e Lee Morgan, exímio trompetista que cedo começou a tocar na Bigband de Dizzy Gillespie e que, assim como Fuller, viria a integrar o famoso grupo Jazz Messenger, de Art Blakey (o trompetista já no ano seguinte, equanto o trombonista a partir de 1961). Enfim... um time de primeira...

Blue Train foi o primeiro álbum solo de Coltrane, gravado em 1957 no lendário estúdio de Van Gelder, considerado por muitos o maior engenheiro de som de toda a história da música, e lançado pela Blue Note Records.

Embora fosse sua estréia gravando como Bandleader, Coltrane já havia feito sua fama em estúdio e nos palcos, tento tocado nos conjuntos de Miles Davis entre 1955 a 1957, e de Thelonious Monk e Dizzy Gillespie, os grandes nomes do Jazz daquele período...

A faixa de abertura (http://www.youtube.com/watch?v=S1GrP6thz-k) já nos força inevitavelmente a ouvir o disco inteiro... Seu riff inicial de 5 notas se tornou um clássico, sendo seguidas por um solo impecável de Coltrane... Chama a atenção a sempre comentada ausência de vibrato no som de Coltrane nessa sua fase, fator que deixa o som de Coltrane no disco ainda mais sério e marcante, ajudando a definir esta fase do músico.

O solo de Coltrane é seguido pelo do trompete de Lee Morgan, músico de timbre e fraseado únicos, que mantém o nível e dá sequência de forma perfeita às idéias do sax.

A continuação não poderia ser mais feliz, iniciando-se o solo do trombone, que se tornava um instrumento cada vez menos comum nas novas bandas do "pós bop", embora tenha o metal estado sempre presente nas Bigbands. O solo de Curtis é simplesmente impecável...

A perfeita interação da banda é mantida com o piano e em seguida o solo de baixo, que fecha a faixa, destacando-se durante todo o tempo a bateria, que acelera e desacelera o rítimo, talvez tentando passar a sensação do movimento de um trem.

As faixas seguintes, Moment's Notice (http://www.youtube.com/watch?v=gocGlRuW1bw) e Locomotion (http://www.youtube.com/watch?v=2RyrB89s8q8) seguem a mesma linha e andamento Hardbop da primeira faixa, estilo que surgiu como desdobramento do Bebop durante a década de 1950, e que teve Coltrane grande representante.

Para entender o estilo, imprescindível voltar um pouco no tempo...

O Jazz vinha passando durante a segunda metade da década de 30 e início da de 40 por um forte movimento de popularização, o que o vinha direcionando para uma estética cada vez mais comercial, explorado massivamente pela crescente indústra do rádio e da televisão. As bandas que haviam dado os contornos do Jazz nas décadas anteriores, em New Orleans, Dixieland, Chicago e Nova York, agora tendiam a adotar o formato de enormes orquestras, consagrando-se, em especial, as Bigbands de Benny Goodman, Glenn Miller, dentre outras, além da já famosa banda de Duke Ellington. O período viria a ficar conhecido como "A Era do Swing".

Como resposta a este movimento de "comercialização" do Jazz, músicos que se uniam nas madrugadas do Minton's Playhouse, club de Jazz do Harlem, começaram a confabular a maior revolução sofrida pelo estilo, liderada, em especial, pelos gênios da música Charlie Parker e Dizzy Gillespie, além de Thelonious Monk, Bud Powell, Kenny Clark e outros. Nascia aí o Bebop.

Vale lembrar que em resposta ao som "cheio" das grandes orquestras, outros movimentos também ganharam força além do bop, levando o Jazz a diferentes outras direções, podendo-se citar a corrente que retomava a simplicidade das raízes do Jazz, destacando-se a Bigband de Count Basie, que, há alguns anos tocando no Kansas, um dos berços do blues, mantinha um som sem o excesso de arranjos das orquestras mais "comerciais", sem perder o requinte e a sofisticação.

Mas, voltando ao Bebop, em contraposição às grandes orquestras, viram-se seus músicos de volta às pequenas formações, pregando o fim do compromisso do Jazz com as aspirações comerciais, talvez o que tenha levado à inevitável despopularização do estilo até hoje, que até a segunda guerra representava absolutamente o gosto popular americano e vinha crescendo expressivamente em diversos outros países do mundo...

Musicalmente, trouxe o Bebop inúmeras inovações em todos os elementos que compõem a música. No campo rítmico, "elevou a síncope ao absurdo", como tratado na série "Jazz", de Ken Burns, abrindo as portas para formas de tempo antes inimagináveis de serem trabalhadas, além da perceptível aceleração do andamento.

Quanto à harmonia, as progressões de acordes apareceriam cada vez mais complexas e sofisticadas, tornando-se um desafio para o solista acompanhar o movimento harmônico.

No campo melódico brilhou a estrela de Charlie Parker, que encontrou uma nova forma de interagir a melodia com a harmonia da música, solando não mais com base na conhecida melodia da música, como antes se fazia, mas sim improvisando de forma livre sobre os acordes. Com isso, seus solos incorporavam enorme criatividade e inventividade, em nada lembrando os temas originais, transformando velhos clássicos em novas composições.

A chegada dos boppers foi um choque, influenciando todos os demais estilos musicais. Depois disso, o Jazz nunca mais seria o mesmo...

Mas como a arte é feita de movimentos pendulares, sempre rejeitando o que vem sendo feito em certo contexto, novas direções foram tomadas a partir do bebop, gerando uma série de movimentos que abalavam, cada um deles de uma forma, uma das estruturas do Jazz, aí nascendo o cool, o modal jazz, o west coast, o free jazz, a bossa nova, o latin jazz (movimento liderado pelo próprio Dizzy Gillespie, que, ao lado de Parker, ditara antes as regras do bebop), o eletric jazz, o fusion, entre inúmeras outras subdivisões.

E é aí que se encontra o Hardbop, uma das correntes surgidas a partir do Bebop. Porém, menos como uma dissidência ou uma contestação, ao contrário de outros estilos surgidos, o Hard mais representava um desenvolvimento das bases do Bebop, muito embora o tenha simplificado em alguns de seus aspectos, em especial na harmonia e quanto aos temas utilizados, permitindo a aceleração da melodia, que a essas alturas já se tornava frenética. Por outro lado, incorporava o Hardbop novas formas de tempo, dando maior liberdade à sessão rítima, normalmente composta por baixo e bateria. Não por acaso, tornou-se mais comum neste estilo o presença de baixistas e bateristas como bandleaders, podendo-se citar, por todos, o mencionado conjunto de Art Blakey, os Jazz Messengers.

É nesse contexto que se situa Blue Train, onde ficam claras todas as marcas do Hardbop.
Dando continuidade à resenha, Coltrane apresenta sua versão de "I'm Old Fashioned" (http://www.youtube.com/watch?v=HNnM2iRwHLE), balada que mostra o lado sensível do artísta, e toda a beleza do som de seu sax tenor. Mais uma vez, quase roubam a cena os metais de bocais, trompete e trombone, que fazem solos inspiradíssimos nessa interpretação.

Por fim, fecha o album Lazy Bird (http://www.youtube.com/watch?v=DAsUNTHRjaM), que desta vez inicia-se com solo de Morgan no trompete, que abre o tema principal da música. É baseada na música "LadyBird", do pianista Tadd Dameron... Pelo seguinte vídeo dá pra ver a semelhança: http://www.youtube.com/watch?v=FWVPGKAAOm8 .

A partir deste disco John Coltrane ia ousar vôos cada vez mais arriscados no Jazz, superando-se disco após disco, técnica e musicalmente, explorando terrenos cada vez mais experimentais, sempre transbordando expressão, criando uma legião de seguidores.

Para quem gostou do som, fica aí a dica do álbum Crescent, um disco também de fácil audição (se comparado a outros do artista), mas que já traz a elaboração das novas experiências musicais de Coltrane. Impossível também não inidicar, desde já, a que é considerada sua maior obra prima, A Love Supreme, embora já não me pareça um disco tão fácil de ser escutado pelo iniciante no assunto.

A definição acertada de Robert Levin para o álbum, de que o mesmo teria como maior atributo sua liberdade, sem ser, contudo, desorganizado, é vista em todo o álbum, demostrando como a individualidade do Jazz anda lado a lado com o espírito coletivo que se deve preservar durante todo o tempo, fazendo este disco extremamente coerente e coeso! Uma obra prima!

É isso... espero que tenha sido útil! Mês que vem tem mais!

Abraços

Venâncio Vilela