O Colosso do Saxofone, o Gigante! Foi o título que Sonny Rollins passou a ostentar a partir desta obra prima indispensável em qualquer estante de Jazz! Seu nome não poderia ser mais sugestivo...
Escolhi-o para os comentários deste mês pelo mesmo motivo que havia escolhido o álbum "Blue Train" no mês anterior, quer dizer, por ser mais um disco que qualquer pessoa, ouvinte habitual ou não de Jazz, poderá escutar facilmente, e já nas primeiras notas tornar-se um fã!
Além disto, é mais um disco de Hardbop, tocado por um de seus maiores expoentes, o que ajudará o ouvinte a definir e melhor entender esta corrente, podendo perceber suas características e particularidades, servindo de parâmetro para comparações quando passar a escutar discos de outros estilos.
Bem... e já que pelo segundo mês seguido trouxe ao Blog um Saxofonista Tenor, parece-me oportuno iniciar falando um pouco do instrumento no Jazz...
Seu aparecimento no estilo se deu de forma tardia, não tendo feito parte das tradicionais bandas de New Orleans dos primeiros tempos, que eram formadas, em geral, pelos sopros clarinete, trompete e trombone. O instrumento viria a ganhar espaço, todavia, a partir dos anos 20, e se firmaria definitivamente na era Bop como o mais reconhecível instrumento do Jazz.
Da família (que tem o Barítono, o Tenor, o Alto e o Soprano), define Jorge Guinle o Sax Tenor, com acerto, como "o mais pessoal dos instrumentos de solo. Cada saxofonista possui uma sonoridade que lhe é peculiar e, geralmente pode ser identificado logo nas primeiras frases"(...). "É um instrumento no qual se pode tocar da maneira mais exuberante ou de uma maneira mais leve, porém incisiva". A assertiva é inteiramente verdadeira, podendo cada instrumentista sustentar um som absolutamente pessoal e único, como a própria voz.
Dentre os críticos, é comum que sejam apontados, como os quatro maiores tenoristas da história do Jazz, além do próprio Sonny Rollins, John Coltrane, Coleman Hawkins e Lester Young. Enquanto Rollins e Contrane foram as grandes influências das novas gerações do Jazz moderno, Hawkins e Young serviram de influência, não só para os dois primeiros, mas também a todos os tenoristas que um dia já tocaram ou tocarão o instrumento...
Hawkins era dono de um timbre robusto e vigoroso, o que herdaria também Sonny Rollins, que teve naquele sua maior influência, por quem, inclusive, segundo constam as biografias, teria largado o Sax Alto, iniciado antes por influência do som de Charlie Parker, para começar definitivamente seus estudos no Tenor. Hawkins, embora frequentemente associado ao período do Swing, teve importante passagem pelo Bebop, mostrando enorme desenvoltura no estilo, demonstrando o grande músico que era...
Por outro lado, Young, apelidado Prez (de President) por Billie Holiday, possuia um toque leve e suave, o grande contraste entre os dois saxofonistas. É sempre lembrado por seu lirismo, sofisticação e pela sutileza de seu som, o que compadecia perfeitamente com sua personalidade rara, excêntrica e ao mesmo tempo de bondade e gentileza únicas.
Desta dicotomia de timbres surgiriam duas correntes nítidas para as gerações futuras, associando-se os músicos que viriam em seguida sempre a uma ou outra forma de tocar. Como discípulos do som de Hawkins, surgiriam: Paul Gonsalves, Chu Berry, John Griffin, Sonny Stitt, Ben Webster, além do próprio Rollins. Já Young teve dentre seus seguidores Stan Getz, Al Cohn, Dexter Gordon, além de todos os demais instrumentistas que mais tarde iriam se filiar ao Cool Jazz...
A forma robusta com que os seguidores de Hawkins viriam a tocar inspiraria a imagem de Sonny Rollins como um grande guerreiro do instrumento, um verdadeiro Titã... É neste contexto que se encaixa seu Colossus, uma obra que representa a força e a magnitude do Sax.
Rollins, na ocasião, já era reconhecido pela crítica como o mais importante tenorista do Jazz pós-bop, tendo naqueles anos tocado ao lado de grandes figuras como J.J. Johnson, Charlie Parker, Fats Navarro, Bud Powell, Max Roach, Thelonious Monk, Art Blakey dentre outros. Porém, mais marcante seria a passagem de Rollins no grupo de Miles Davis, com quem emplacaria no álbum Bag's Groove, de 1954, standars eternos do Jazz, como "Airegin," "Doxy," e "Oleo". Rollins, a estas alturas, já tornara-se célebre, também, por seu quinteto com Clifford Brown e Max Roach, de 1955, uma das mais introsadas formações da história do Jazz.
Gravado pela Prestige Records em 1956, o Colossus possui 5 músicas:
1 - St. Tomas
2 - You Don't Know What Love Is;
3 - Strode Rode;
4 - Moritat;
5 - Blue 7;
Destas, três são composições do próprio Rollins, excetuando-se apenas You Don't Know What Love Is, de autoria de Gene de Paul, de 1941; e Moritat, retirada da "Ópera dos Três Vinténs", do compositor Kurt Weill e do escritor Bertold Brecht. Para quem escutou e reconheceu o tema da música, ela é, na verdade, a mesma Mack the Knife, imortalizada por Louis Armstrong no mesmo ano, e cantada por tantos outros, a exemplo de Ella Fitzgerald. O título Moritat, dado por Rollins, nada mais é do que uma simplificação de seu nome original em alemão: "Die Moritat von Mackie Messer". É um clássico que derrubou a barreira entre a música erudita e a popular, tendo sido utilizada incansáveis vezes por artistas no mundo inteiro.
Por aqui, Chico Buarque também fez sua versão da "Ópera dos Três Vinténs", adaptando-a ao universo carioca como "A Ópera do Malandro", em que "Mack The Knife" se transformou na famosa "O Malandro". Quem quiser comparar as versões, curiosamente, seguem aí os links do youtube, respectivamente, das versões de Louis armstrong: http://www.youtube.com/watch?v=wgYgl4OodeY; Chico Buarque: http://www.youtube.com/watch?v=wpuXMxsfCzs; Sonny Rollins: http://www.youtube.com/watch?v=ox5MUXvhzK8; e a original extraída da ópera: http://www.youtube.com/watch?v=_QXJ3OXWaOY... Mas enfim, voltando ao Jazz
Por aqui, Chico Buarque também fez sua versão da "Ópera dos Três Vinténs", adaptando-a ao universo carioca como "A Ópera do Malandro", em que "Mack The Knife" se transformou na famosa "O Malandro". Quem quiser comparar as versões, curiosamente, seguem aí os links do youtube, respectivamente, das versões de Louis armstrong: http://www.youtube.com/watch?v=wgYgl4OodeY; Chico Buarque: http://www.youtube.com/watch?v=wpuXMxsfCzs; Sonny Rollins: http://www.youtube.com/watch?v=ox5MUXvhzK8; e a original extraída da ópera: http://www.youtube.com/watch?v=_QXJ3OXWaOY... Mas enfim, voltando ao Jazz
O disco, assim como Blue Train, de quem falei no mês anterior, foi gravado no emblemático Rudy Van Gelder's Studio, em New Jersey, tendo participado das sessões, ao lado de Rollins, Tommy Flanagan, ao piano, que dentre as participações mais famosas de sua carreira estaria aquela no álbum Giant Steps, de Coltrane, além de ter, por um longo período, acompanhado Ella Fitzgerald, nas décadas de 60 e 70; também, Doug Watkins, no Baixo, um dos primeiros membros dos Jazz Messengers; além de Max Roach, na Bateria, um dos precursores do Bebop e mais influentes bateristas de todos os tempos, com quem tocou Charlie Parker, Dizzy Gillespie, Duke Ellington, Miles Davis, Chales Mingus, dentre outros...
St. Tomas (http://www.youtube.com/watch?v=UA2XIWZxMKM), que se tornou a marca registrada do músico, inicia o disco chamando a atenção por sua levada latina, tendo o instrumentista se baseado em uma canção caribenha, do gênero calipso, que sua mãe costumava cantar quando Rollins ainda era criança. A faixa evidencia de forma perfeita uma das maiores características do tenorista, sua capacidade incrível de explorar o elemento rítimo das canções. Rollins viria futuramente a flertar novamente com rítimos latinos em What's New, de 1962, influência esta que restaria sempre implícita em seu modo de tocar.
A faixa, simplesmente empolgante, justifica, ainda, sem deixar qualquer sombra de dúvida, porque era o artista conhecido como o "inesgotável improvisador", sendo notável a forma como as frases iniciam-se e terminam num timming que o músico sentia melhor que ninguém, encaixando-se como se fossem milimetricamente compostas. Importante ainda registrar que o tema inicial mereceu um perfeito acompanhamento pela bateria e piano, preparando para a brilhante entrada do solo de Rollins, que o sustenta durante toda a música com enorme swing.
Cada frase do solo é marcante, ajudando o iniciante no Jazz a perceber que por trás do aparente caos que é inerente ao estilo musical, há enorme coerência e lógica. No decorrer da faixa, destaca-se, ainda, o solo de Roach, que prepara o retorno mais uma vez contagiante do Tenor com nova sequência de belas frases.
Embora possua grandes discos de estúdio, como o presente, era nos palcos, entretato, que Rollins chamava a atenção, onde sua capacidade de improvisação saltava aos ouvidos dos frequentadores dos clubs novaiorquinos, sendo capaz de improvisar por horas a fio, sem terem fim suas idéias, citando, inesperadamente, temas de outras canções que inusitadamente surgiam à sua cabeça, fazendo-o um dos intérpretes mais criativos em termos melódicos que o Jazz já conheceu.
Sua postura nos palcos combinava acertadamente com o som que produzia em seu Sax, revelando a eterna batalha do jazzman com seu instrumento, numa necessidade constante de fazê-lo sempre produzir melodias originais e espontâneas, noite após noite. Representava a força e o poder do músico quando de posse de seu instrumento, nunca revelando qualquer traço de fraqueza ou intimidação.
Em You Don't Know What Love Is (http://www.youtube.com/watch?v=tLFlJIqiMLc), balada de Gene de Paul, evidencia-se melhor do que nunca a imponência e o vigor do som do músico, que não se abalam nem pela beleza e sensibilidade da composição de De Paul. Certas passagens, mesmo no contexto tranquilo da harmonia e da sessão rítimica, revelam a agressividade com que Rollins trava sua batalha, sem afetar a sofisticação e o romantismo da composição. Os solos possuem a criatividade incomum que marcou toda a trajetória do artista. Após um pequeno intervalo, onde o lirismo de Flanagan ao piano vem à tona, retorna o bandleader para a conclusão da canção. Um primor de versão!
Em seguida, Strode Rode (http://www.youtube.com/watch?v=L7G4DciALDs) inicia-se com uma das marcas registradas do tenorista. Não raras vezes é possível deparar-se o ouvinte com trechos de improvisos do músico em que este se prende a uma única nota, isolando melodia e harmonia para que pudesse trabalhar unicamente o elemento rítmico. É assim que surge esta típica representate do Hardbop, com um riff que, repetindo por oito vezes uma única nota, dá forma a este famoso standad do Jazz.. É apenas uma pequena amostra desta técnica do saxofonista, que em suas apresentações poderia se transformar em hipnóticas experiências de longos minutos... É também mais uma boa faixa para se perceber o poder de improvisação do músico, que aqui traz frases de coerência única, novamente começando e terminando com perfeita precisão no andamento do tempo.
Moritat (http://www.youtube.com/watch?v=ox5MUXvhzK8) e Blue 7 receberam no disco um andamento cool, modo delicado e por vezes melancólico de se tocar, contraste que o Jazz sempre alimentara em contraposição à sua veia "Hot". O Cool viria no final da década de 1940 e seguintes a se consolidar como um estilo, consistindo, talvez, na mais conservadora reação sofrida pelo Bebop... Mas pra falar de Cool é preciso falar do álbum "Birth of Cool"... e pra falar deste disco é preciso falar de Miles Davis... e Miles Davis merece um capítulo especial em qualquer escrita sobre Jazz... o que fica pra uma outra hora...
... voltando a Moriat e Blue 7, são elas registros impecáveis da capacidade que o músico viria demonstrar de incorporar as novas tendências que povoavam o Jazz, mantendo, contudo, sempre um estilo conservador em relação ao modo de tocar. Quem assiste a recente shows do artista comprova que Rollins continua o mesmo de 60 anos atrás.
Moritat (http://www.youtube.com/watch?v=ox5MUXvhzK8) e Blue 7 receberam no disco um andamento cool, modo delicado e por vezes melancólico de se tocar, contraste que o Jazz sempre alimentara em contraposição à sua veia "Hot". O Cool viria no final da década de 1940 e seguintes a se consolidar como um estilo, consistindo, talvez, na mais conservadora reação sofrida pelo Bebop... Mas pra falar de Cool é preciso falar do álbum "Birth of Cool"... e pra falar deste disco é preciso falar de Miles Davis... e Miles Davis merece um capítulo especial em qualquer escrita sobre Jazz... o que fica pra uma outra hora...
... voltando a Moriat e Blue 7, são elas registros impecáveis da capacidade que o músico viria demonstrar de incorporar as novas tendências que povoavam o Jazz, mantendo, contudo, sempre um estilo conservador em relação ao modo de tocar. Quem assiste a recente shows do artista comprova que Rollins continua o mesmo de 60 anos atrás.
E não faltavam novas tendências naquele período... A música estava em ebulição no meio Jazzístico...
Aquele ano seria marcante para sua história, tendo vindo à luz registros inesquecíveis, como a obra prima do Bebopper Thelonious Monk, Brilliant Corners; o ultra vanguardista Pithecanthropus Erectus, de Charles Mingus; as obras cool de Miles Davis: Cookin', Relaxin', Workin' e Steamin'... entre outros... além disto, cumpre lembrar ter sido aquele um ano memorável para toda a carreira do maior compositor da história do Jazz, Duke Ellington, quando, em um de seus mais importantes concertos, no Newport Jazz Festival, demonstrou ao mundo que o Swing ainda tinha espaço no gosto musical norte-americano, levando a platéia ao delírio durante os solos de seu tenorista Paul Gonsalves. Dentre os fatos tristes, aquele seria o ano da morte de Clifford Brown, um meteoro que passou pela terra, em curta carreira, mas que teria enorme importância para o Jazz, e em especial para o próprio Sonny Rollins, com quem gravou discos geniais.
Fica claro das poucas citações acima, que o Jazz estava em um caldeirão de experiências, prenúncio do que iria viver o estilo nos anos seguintes, onde correntes tão discrepantes seriam obrigadas a conviver entre si, exigindo dos músicos mais criatividade do que nunca, além de enorme bom senso para dosar os recursos que lhes estariam disponíveis.
Rollins seria uma destas figuras afoitas por inovações no Jazz. No ano seguinte ao lançamento de seu Colossus, seria pioneiro no uso do formato Sax-Baixo-Bateria apenas, registrando a inovação em seus discos Way Out West e A Night at the Village Vanguard. Um ano depois, a formação seria repetida na famosa The Freedom Suite, extensa peça do músico que denunciava os absurdos do racismo.
Na década seguinte, Rollins faria, ainda, incursões pela mais radical das estéticas conhecidas pelo Jazz, o Free, que vinha ao mundo por meio do controvérso quarteto de Ornette Coleman, que abandonava por completo as tradicionais concepções de harmonia, rítmo e melodia, dando ao músico total liberdade para tocar da forma como quisesse. Seu disco de apresentação do novo estilo não poderia ter outro nome: The Shape Of Jazz To Come, ou, a "Forma do Jazz Que Estaria Por Vir"... Era um prenúncio de novos tempos na música...
Sua inquietude por evoluir e inovar alcançaria, ainda, os aspectos técnicos do instrumento, tendo o músico ficado famoso pelas "pausas" que fez em sua carreira, por ele mesmo chamadas de "licenças", em que se afastou dos palcos e estúdios para longos estudos introspectivos do instrumentos... Segundo a lenda, tendo o músico uma vizinha grávida na ocasião, e não querendo a incomodar, passava as madrugadas treinando sentado em uma ponte em Nova York, ajudando a criar a mística romântica em torno do Saxofone, e do próprio Jazz. Seu álbum pós-licença levaria, por isso, o nome The Bridge, e seria um retrato das novas técnicas que desenvolvera no período. Ao longo de sua carreira, Rollins tiraria ainda uma segunda licença, em que se dedicou ao estudo das culturas orientais, influência que seria marcante nos discos posteriores a esta fase.
Para quem gostou do som dos Tenores Sonny Rollins e John Coltrane, revisados neste mês e no anterior no Blog, fica o convite para escutar também Tenor Madness, do mesmo ano, em que os dois grandes se encontram para um duelo de vinte minutos na música título, única gravação conhecida com os dois artistas, sendo possível identificar com clareza o som de cada um. Nas demais faixas, Rollins divide as gravações com membros do então famoso grupo de Miles Davis: Philly Joe Jones, na Bateria, e Paul Chambers, no Baixo, artistas que compuseram o elenco que gravou Blue Train, comentado em janeiro, além do pianista Red Garland. O quinteto, Garland, Joe Jones, Coltrane, Chambers e o líder Miles Davis, havia gravado um ano antes (em apenas um fim de semana, vale frisar...) os quatro álbuns clássicos de cool pela Prestige Records: Workin'; Streamin'; Cookin'; e Relaxin', with the Miles Davis Quintet.
Também do artista, sugiro outros dois discos: Sonny Rollins Plus 4, em que os "mais 4" são, ninguém mais, ninguém menos, do que Clifford Brown, a senção do trompete naquela época; o grande baterista e líder Max Roach; além de Ritchie Powell no Piano e George Morrow, no Baixo.
E, ainda, um de meus favoritos, o disco Sonny Side Up, gravado pelo trio Dizzy Gillespie, no trompete; e os dois tenoristas, Sonny Rollins e Sonny Sitt; além dos irmãos, o pianista Ray, e o baixista Tommy Bryant. Completando o team, as sessões tiveram, ainda, Charlie Persip na bateria. No disco destaca-se a bela versão cantada por Gillespie do clássico On The Sunny Side Of The Street, imortalizada antes por Louis Armstrong, além do belo Blues After Hours, terceira faixa do álbum.
Sem dúvidas indicações que não irá decepcionar...
É isso, até o mês que vêm!

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