sábado, 9 de janeiro de 2010

JOHN COLTRANE - BLUE TRAIN (1957)




Escolhi este álbum pra estrear o Blog por uma razão muito simples... Sempre foi o disco que indiquei pra quem quisesse começar a escutar Jazz.

Poderia adotar um critério cronológico pra isso, sugerindo ao iniciante um disco de bandas tradicionais de New Orleans do princípio do século passado, quando o estilo começou a se definir, o que faria o leitor percorrer, passo a passo, toda a trajetória do Jazz, certamente o auxiliando a perceber e entender as mudanças sofridas pelo estilo... mas penso que poderia haver uma certa dificuldade ao "ouvinte de primeira viagem" em escutá-las, primeiro pela precariedade técnica destas gravações, e em segundo lugar por muitas vezes não soarem atuais aos ouvidos de hoje...

Com isso, ao invés de estimular uma iniciação ao Jazz, começar por estes discos poderia gerar um efeito contrário, distanciando ainda mais o leitor do estilo musical...

Justamente por isso escolhi este disco de Coltrane como um primeiro álbum a comentar aqui! Trata-se de excelente gravação, remasterizada em 1990, relançada em 1997 sob o título The Ultimante Blue Train, quando foram incluídos dois outros Takes, e novamente lançada em 1999 em versão DVD Áudio, recebendo o título Blue Train Note 1977. Em 2003 uma nova versão foi lançada, agora em Super Audio CD... Ou seja, gravação de primeira qualidade, como as produzidas hoje em dia.

Ademais, soa o álbum extremamente "redondo", num exemplo de perfeita intereção entre os músicos, além de ser incrivelmente coeso quando escutado por inteiro.

O Álbum contém 5 faixas:

1. Blue Train;
2. Moment's Notice;
3. Locomotion;
4. I'm Old Fashioned;
5. Lazy Bird;

O relançamento de 1990 incluiu, como dito acima, um segundo take das música Blue Train e Lazy Bird.

Dentre o set list, a 4a faixa é composição de Jerome Kern e Johny Mercer, sendo as demais todas originais.

Participaram das gravações, além de Coltrane no sax tenor, Paul Chambers, baixista que nesta época integrava ainda (também ao lado de Coltrane) o conjunto de Miles Davis que viria a gravar, dois anos depois, a obra prima A Kind Of Blue; Kenny Drew ao piano, que atuara com o outro grande sax tenor Coleman Hawkins, além de também ter estado no conjunto de Charlie Parker e Buddy Rich; Curtis Fuller ao trombone, ex-colega de estudos de Paul Chambers, e com quem formava um outro conjunto juntamente com Cannonball Adderly e o irmão deste durante a década de 50. Fuller ja havia tocado também ao lado Miles Davis, e viria a tocar com Art Blakey e outros grandes nomes nos anos seguintes.

Completavam ainda o sexteto Philly Joe Jones na bateria, que também participaria dois anos depois das lendárias sessões de Kind Of Blue; e Lee Morgan, exímio trompetista que cedo começou a tocar na Bigband de Dizzy Gillespie e que, assim como Fuller, viria a integrar o famoso grupo Jazz Messenger, de Art Blakey (o trompetista já no ano seguinte, equanto o trombonista a partir de 1961). Enfim... um time de primeira...

Blue Train foi o primeiro álbum solo de Coltrane, gravado em 1957 no lendário estúdio de Van Gelder, considerado por muitos o maior engenheiro de som de toda a história da música, e lançado pela Blue Note Records.

Embora fosse sua estréia gravando como Bandleader, Coltrane já havia feito sua fama em estúdio e nos palcos, tento tocado nos conjuntos de Miles Davis entre 1955 a 1957, e de Thelonious Monk e Dizzy Gillespie, os grandes nomes do Jazz daquele período...

A faixa de abertura (http://www.youtube.com/watch?v=S1GrP6thz-k) já nos força inevitavelmente a ouvir o disco inteiro... Seu riff inicial de 5 notas se tornou um clássico, sendo seguidas por um solo impecável de Coltrane... Chama a atenção a sempre comentada ausência de vibrato no som de Coltrane nessa sua fase, fator que deixa o som de Coltrane no disco ainda mais sério e marcante, ajudando a definir esta fase do músico.

O solo de Coltrane é seguido pelo do trompete de Lee Morgan, músico de timbre e fraseado únicos, que mantém o nível e dá sequência de forma perfeita às idéias do sax.

A continuação não poderia ser mais feliz, iniciando-se o solo do trombone, que se tornava um instrumento cada vez menos comum nas novas bandas do "pós bop", embora tenha o metal estado sempre presente nas Bigbands. O solo de Curtis é simplesmente impecável...

A perfeita interação da banda é mantida com o piano e em seguida o solo de baixo, que fecha a faixa, destacando-se durante todo o tempo a bateria, que acelera e desacelera o rítimo, talvez tentando passar a sensação do movimento de um trem.

As faixas seguintes, Moment's Notice (http://www.youtube.com/watch?v=gocGlRuW1bw) e Locomotion (http://www.youtube.com/watch?v=2RyrB89s8q8) seguem a mesma linha e andamento Hardbop da primeira faixa, estilo que surgiu como desdobramento do Bebop durante a década de 1950, e que teve Coltrane grande representante.

Para entender o estilo, imprescindível voltar um pouco no tempo...

O Jazz vinha passando durante a segunda metade da década de 30 e início da de 40 por um forte movimento de popularização, o que o vinha direcionando para uma estética cada vez mais comercial, explorado massivamente pela crescente indústra do rádio e da televisão. As bandas que haviam dado os contornos do Jazz nas décadas anteriores, em New Orleans, Dixieland, Chicago e Nova York, agora tendiam a adotar o formato de enormes orquestras, consagrando-se, em especial, as Bigbands de Benny Goodman, Glenn Miller, dentre outras, além da já famosa banda de Duke Ellington. O período viria a ficar conhecido como "A Era do Swing".

Como resposta a este movimento de "comercialização" do Jazz, músicos que se uniam nas madrugadas do Minton's Playhouse, club de Jazz do Harlem, começaram a confabular a maior revolução sofrida pelo estilo, liderada, em especial, pelos gênios da música Charlie Parker e Dizzy Gillespie, além de Thelonious Monk, Bud Powell, Kenny Clark e outros. Nascia aí o Bebop.

Vale lembrar que em resposta ao som "cheio" das grandes orquestras, outros movimentos também ganharam força além do bop, levando o Jazz a diferentes outras direções, podendo-se citar a corrente que retomava a simplicidade das raízes do Jazz, destacando-se a Bigband de Count Basie, que, há alguns anos tocando no Kansas, um dos berços do blues, mantinha um som sem o excesso de arranjos das orquestras mais "comerciais", sem perder o requinte e a sofisticação.

Mas, voltando ao Bebop, em contraposição às grandes orquestras, viram-se seus músicos de volta às pequenas formações, pregando o fim do compromisso do Jazz com as aspirações comerciais, talvez o que tenha levado à inevitável despopularização do estilo até hoje, que até a segunda guerra representava absolutamente o gosto popular americano e vinha crescendo expressivamente em diversos outros países do mundo...

Musicalmente, trouxe o Bebop inúmeras inovações em todos os elementos que compõem a música. No campo rítmico, "elevou a síncope ao absurdo", como tratado na série "Jazz", de Ken Burns, abrindo as portas para formas de tempo antes inimagináveis de serem trabalhadas, além da perceptível aceleração do andamento.

Quanto à harmonia, as progressões de acordes apareceriam cada vez mais complexas e sofisticadas, tornando-se um desafio para o solista acompanhar o movimento harmônico.

No campo melódico brilhou a estrela de Charlie Parker, que encontrou uma nova forma de interagir a melodia com a harmonia da música, solando não mais com base na conhecida melodia da música, como antes se fazia, mas sim improvisando de forma livre sobre os acordes. Com isso, seus solos incorporavam enorme criatividade e inventividade, em nada lembrando os temas originais, transformando velhos clássicos em novas composições.

A chegada dos boppers foi um choque, influenciando todos os demais estilos musicais. Depois disso, o Jazz nunca mais seria o mesmo...

Mas como a arte é feita de movimentos pendulares, sempre rejeitando o que vem sendo feito em certo contexto, novas direções foram tomadas a partir do bebop, gerando uma série de movimentos que abalavam, cada um deles de uma forma, uma das estruturas do Jazz, aí nascendo o cool, o modal jazz, o west coast, o free jazz, a bossa nova, o latin jazz (movimento liderado pelo próprio Dizzy Gillespie, que, ao lado de Parker, ditara antes as regras do bebop), o eletric jazz, o fusion, entre inúmeras outras subdivisões.

E é aí que se encontra o Hardbop, uma das correntes surgidas a partir do Bebop. Porém, menos como uma dissidência ou uma contestação, ao contrário de outros estilos surgidos, o Hard mais representava um desenvolvimento das bases do Bebop, muito embora o tenha simplificado em alguns de seus aspectos, em especial na harmonia e quanto aos temas utilizados, permitindo a aceleração da melodia, que a essas alturas já se tornava frenética. Por outro lado, incorporava o Hardbop novas formas de tempo, dando maior liberdade à sessão rítima, normalmente composta por baixo e bateria. Não por acaso, tornou-se mais comum neste estilo o presença de baixistas e bateristas como bandleaders, podendo-se citar, por todos, o mencionado conjunto de Art Blakey, os Jazz Messengers.

É nesse contexto que se situa Blue Train, onde ficam claras todas as marcas do Hardbop.
Dando continuidade à resenha, Coltrane apresenta sua versão de "I'm Old Fashioned" (http://www.youtube.com/watch?v=HNnM2iRwHLE), balada que mostra o lado sensível do artísta, e toda a beleza do som de seu sax tenor. Mais uma vez, quase roubam a cena os metais de bocais, trompete e trombone, que fazem solos inspiradíssimos nessa interpretação.

Por fim, fecha o album Lazy Bird (http://www.youtube.com/watch?v=DAsUNTHRjaM), que desta vez inicia-se com solo de Morgan no trompete, que abre o tema principal da música. É baseada na música "LadyBird", do pianista Tadd Dameron... Pelo seguinte vídeo dá pra ver a semelhança: http://www.youtube.com/watch?v=FWVPGKAAOm8 .

A partir deste disco John Coltrane ia ousar vôos cada vez mais arriscados no Jazz, superando-se disco após disco, técnica e musicalmente, explorando terrenos cada vez mais experimentais, sempre transbordando expressão, criando uma legião de seguidores.

Para quem gostou do som, fica aí a dica do álbum Crescent, um disco também de fácil audição (se comparado a outros do artista), mas que já traz a elaboração das novas experiências musicais de Coltrane. Impossível também não inidicar, desde já, a que é considerada sua maior obra prima, A Love Supreme, embora já não me pareça um disco tão fácil de ser escutado pelo iniciante no assunto.

A definição acertada de Robert Levin para o álbum, de que o mesmo teria como maior atributo sua liberdade, sem ser, contudo, desorganizado, é vista em todo o álbum, demostrando como a individualidade do Jazz anda lado a lado com o espírito coletivo que se deve preservar durante todo o tempo, fazendo este disco extremamente coerente e coeso! Uma obra prima!

É isso... espero que tenha sido útil! Mês que vem tem mais!

Abraços

Venâncio Vilela

Nenhum comentário:

Postar um comentário